Danúbio Gonçalves
Danúbio Villamil Gonçalves (Bagé, 30 de janeiro de 1925 — Porto Alegre, 21 de abril de 2019) foi um professor, pintor, desenhista, gravador e escritor brasileiro, mais lembrado pela sua atuação docente e pela atividade como gravurista, membro do Grupo de Bagé e do Clube de Gravura de Porto Alegre, com uma obra de cunho social e regionalista reconhecida como uma importante contribuição à arte da gravura no estado do Rio Grande do Sul e no Brasil. Também dedicou-se mais tarde a diversas outras técnicas e temáticas. BiografiaMembro de uma família tradicional de estancieiros, descendente de Bento Gonçalves, um dos líderes da Revolução Farroupilha, seu pai queria que se tornasse médico, e ele decidiu ser artista.[1] Quando tinha dez anos de idade mudou-se com familiares para o Rio de Janeiro. Na década de 1940 estudou na Fundação Getúlio Vargas com Carlos Oswald (gravura em metal) e Axl Leskoschek (xilogravura). Também teve aulas de desenho com Tomás Santa Rosa. Tornou-se amigo de Iberê Camargo e com ele frequentou o atelier de Cândido Portinari para estudar modelo vivo. Nesta época fazia caricaturas da sociedade carioca, publicadas pelas revistas Cena Muda e Mirim. Viajou para Paris, e entre 1949 e 1951 frequentou a Academia Julian.[2][3] Sua atividade artística está intimamente ligada ao seu engajamento político.[2] De volta ao Brasil, associou-se com Glauco Rodrigues, Glênio Bianchetti e Carlos Scliar, fundando com eles o influente Grupo de Bagé, que marcou época na gravura brasileira. A partir da década de 1960 sua produção se diversifica em técnica, estilo e temática.[2][3] Recebeu vários prêmios e homenagens, realizou mais de 50 exposições individuais e participou de mais de uma centena de coletivas.[4] Como professor formou gerações de novos artistas.[5] Desde 1963, orientou os alunos do curso de litogravura do Atelier Livre da Prefeitura de Porto Alegre, instituição que dirigiu até 1978. No período entre 1969 e 1971, lecionou gravura no Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.[2] Em 1984 participou da fundação do Núcleo de Gravura do Rio Grande do Sul.[4] Deu cursos de xilogravura, litografia, desenho e pintura no Paraná, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.[6] Em 1992 recebeu da Câmara de Vereadores de Porto Alegre o título de Cidadão Porto-Alegrense e a Comenda Pedro Weingärtner.[7] Em 2000, foi realizada uma exposição retrospectiva da sua trajetória no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (MARGS), e foi publicado o livro Danúbio Gonçalves: Caminhos e Vivências, pela editora Fumproarte, com textos de Paulo Gomes e Norberto Stori. Neste período realizou obras de grandes dimensões, como o mural de azulejos Epopeia Rio-Grandense, instalado em uma esplanada cívica na frente do Mercado Público,[2] e o mural Contribuição da Comunidade Judaica no RS - 100 Anos, instalado no Viaduto Jorge Alberto Mendes Ribeiro.[4] Ainda em 2000 passou a fazer parte do Conselho Consultivo do MARGS. Em 2005, celebrando seu 80º aniversário, foi convidado oficial da Semana Comemorativa dos 143 anos de Bagé,[4] foi festejado com a instalação de uma placa de bronze com a impressão de sua mão na Oficina de Litografia do Atelier Livre, a Oficina foi batizada com seu nome,[8] e recebeu da Secretaria de Estado da Cultura o Troféu Artista do Ano.[4] Em 2006 foi homenageado pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre com o Prêmio Artístico Lupicínio Rodrigues.[7] Em 2012 foi objeto do documentário Danúbio, dirigido por Henrique de Freitas Lima.[2] Em 2014 sua individual na Galeria Duque foi uma das finalistas do Prêmio Açorianos de Artes Plásticas, nas categorias Destaque em Gravura e Acervo e Memória.[9] Morreu enquanto dormia em 21 de abril de 2019. Deixou esposa e três filhos.[1] Seu desaparecimento foi amplamente noticiado e muito lamentado entre a classe artística gaúcha. Segundo a secretária estadual de cultura, Beatriz Araújo, "a trajetória do artista e do professor Danúbio Gonçalves, e o comprometimento dele enquanto ativista e extensa obra constituem um legado importante para a cultura gaúcha". Para o diretor do Museu de Arte do Rio Grande do Sul, Francisco Dalcol, "é um dos nomes mais importantes da história das artes visuais do Rio Grande do Sul, tendo pertencido a uma geração que se empenhou em introduzir e difundir no estado as linguagens artísticas modernas. E, ao mesmo tempo, foi um artista que se projetou fora por sua postura de não adesão a modismos e por seu engajamento político e social".[6] No dia 25 recebeu homenagem na Assembleia Legislativa do Estado.[10] A Prefeitura de Bagé organizou uma semana de eventos em sua homenagem.[11] Pequenas exposições celebrando sua memória foram organizadas rapidamente pelo MARGS e pelo Atelier Livre.[12][13] Em maio a Galeria Duque de Porto Alegre organizou uma grande exposição retrospectiva, apresentando mais de cem obras.[14] Em julho foi homenageado na entrega do Prêmio Açorianos de Artes Plásticas.[15] Em outubro uma exposição na Fundação Iberê Camargo resgatou o legado do Grupo de Bagé, sendo apresentado paralelamente o documentário Danúbio.[16] ObraDanúbio Gonçalves é lembrado principalmente como professor e gravurista.[10][13] Recebeu uma formação acadêmica mas incorporou ao longo de sua carreira doses variáveis de elementos inspirados no modernismo, na arte pop e na arte popular. A figuração, em diferentes abordagens, permaneceu um eixo estruturador da sua obra plástica, da qual nunca se afastou completamente, embora em algumas obras tardias tenha se aproximado da abstração.[4][17] Teve um reconhecimento precoce, fazendo sua primeira individual com 19 anos. Com 23 anos ganhava dois prêmios no Salão Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, o mais importante do país.[17] Em 1951 recebeu medalha de prata em Desenho no Salão da Associação Francisco Lisboa de Porto Alegre, um reduto dos artistas independentes e contrários ao academismo que ainda era forte no Instituto de Belas Artes, e em 1953 recebeu o Prêmio Viagem ao País do Salão Nacional.[18] Sua produção inicial coincidiu com a ampliação do público para a arte modernista, com a ressurgência do regionalismo no discurso oficial, na literatura e nas artes do estado, e com a fundação do Movimento Tradicionalista Gaúcho, e buscou expressar artisticamente seu engajamento com as causas sociais. Defendia que o artista tinha de ter posicionamento político, e que o papel da arte era eminentemente social.[18][19] Assim como os outros artistas do Grupo de Bagé, estava vinculado à esquerda e defendia a popularização da arte, trabalhando com cenas da vida dos operários, charqueadores e mineiros, num estilo figurativo realista com influências do Expressionismo alemão, do Realismo Socialista, dos muralistas mexicanos e do Atelier de Gráfica Popular do México, que era dirigido pelo gravador Leopoldo Mendez. Optaram pela gravura por ser um meio mais democrático e de baixo custo, acessível às classes populares. O Grupo foi importante para a divulgação e afirmação da gravura no sul do Brasil e foi a origem do Clube de Gravura de Porto Alegre. Danúbio participou de sua fundação e foi um dos seus membros mais ativos. Tanto o Grupo como o Clube estimularam o aparecimento de vários outros clubes de gravura pelo país nos anos de 1950 e 1960.[2][3][18][20] Os dois primeiros anos do Clube de Gravura foram intensamente dedicados ao Movimento pela Paz. Em 1952 expôs obras junto com colegas do Clube na Conferência Continental pela Paz, no Uruguai. O grupo recebeu do Movimento Brasileiro dos Partidários da Paz o Prêmio Pablo Picasso, por seu trabalho artístico realizado em defesa da Paz e do congraçamento entre os povos.[4][21] Essa premiação possibilitou a edição do álbum Gravuras Gaúchas, com um prefácio de Jorge Amado e a expressiva tiragem de 5 mil exemplares, considerada muito elevada para a época.[18] Desta fase é importante a série Charqueadas, inspirada no livro homônimo de Pedro Wayne, e premiada no Salão Nacional de Arte Moderna de 1954. Algumas obras da série foram reproduzidas nas páginas da revista Horizonte.[22] O muralista mexicano Diego Rivera assim falou sobre a Charqueadas: "Esta série admirável de Villamil Gonçalves, toda inspirada nas diferentes operações do matadouro, é um ensaio, uma espécie de novela curta tecida em termos plásticos de uma intensidade extraordinária. Oxalá este exemplo seja imitado, pois os pintores falariam ao povo mais intensamente do que qualquer livro e transmitiriam uma grande emoção artística com o seu valor plástico".[17] Para o crítico e historiador Paulo Gomes, "de algum modo a série de Danúbio Gonçalves chega onde nenhum dos outros artistas logrou chegar, conjugando uma série de virtudes, a saber: estabelece uma efetiva comunicação com o povo ao expressar a região em que vive o artista e seu público imediato e não caindo na exploração do pitoresco e do tradicionalismo autoglorificante. Também porque enfatiza o papel social do artista ao criar um instrumento efetivo de cultura através de uma obra de caráter regional mas de alcance universal".[19] Também deve ser lembrada a série Mineiros de Butiá, que fez um registro visual inédito sobre a vida dos mineiros.[23][24] Na opinião de Armindo Trevisan, "é uma denúncia clínica, precisa, na qual a emoção não necessita transbordar para ser autêntica. A técnica da xilografia, no caso, rude, constante, áspera, contribui para tornar eloquente a dor e a humilhação desses tipos humanos de nossa terra, que não são propriamente rebaixados, mas expostos na sua realidade nua e crua".[23] Ambas a séries, assim como outros trabalhos nessa linha, retratando os gaúchos e outros personagens do campo, são o resultado final de incontáveis esboços e estudos preparatórios, e derivam do contato direto do artista com os sujeitos de suas obras, procurando denunciar a exploração dos trabalhadores e a realidade miserável dos seus cotidianos, concentrando-se na mensagem, veiculada por imagens concisas e fortes, e eliminando detalhes supérfluos.[17][19] Na década de 1970 passou a explorar outros temas e técnicas, como a cultura pop, a abstração, os temas históricos, a paisagem e o erotismo, em aquarela, desenho, colagem, pintura e azulejaria.[3] O crítico Jakob Klintowitz, analisando seus trabalhos desta época, disse que "a sua tendência natural é gráfica. Mesmo as pinturas – quando melhores – têm um forte acento gráfico, com definição de desenho, planos estabelecidos, valores de claro e escuro evidentes. A cor não oferece para esse artista um interesse vital. Seu mundo percorre as linhas do desenho e da obra impressa. [...] A importância desse artista sóbrio e discreto no universo gráfico brasileiro precisa, finalmente, ser lembrada". Érico Veríssimo disse: "Atingiu a plena maturidade artística nesta nova fase em que não foge ao mundo objetivo, à imagem humana nem os desfigura, mas transfigura-os poética e dramaticamente".[4] Dedicou-se também ao mosaico, realizando obras em painéis na Igreja de São Roque, em Bento Gonçalves; no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, junto ao túmulo do padre João Batista Reus, em São Leopoldo; e na Igreja de São Sebastião, em Porto Alegre. Publicou dois livros: o ensaio Do Conteúdo à Pós-Vanguarda (1995), e outro sobre técnicas de pintura, Processos Básicos da Pintura (1996).[6] Ao falecer em 2019 estava consagrado como um dos grandes artistas do estado e um dos responsáveis pela projeção da arte gaúcha no Brasil.[5][17][14][19][25] Sua casa-atelier foi tombada pela Prefeitura de Porto Alegre. Sua obra está presente em coleções particulares e em acervos públicos, como o Museu de Arte do Rio Grande do Sul, o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o Museu Nacional de Belas Artes,[1] o Acervo Artístico da Prefeitura de Porto Alegre, a Pinacoteca Municipal de São Paulo, o Museu de Arte Moderna da Bahia, o Museu de Arte Contemporânea do Paraná, o Museu de Arte de Santa Catarina,[4] a Pinacoteca do Estado de São Paulo,[2] a Pinacoteca APLUB de Porto Alegre e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.[3] Para Paulo Gomes, "sua trajetória, de mais de 50 anos, é marcada por um destacado rigor artesanal e por momentos nos quais seu trabalho assume características ideológicas bastante acentuadas. [...] No Rio Grande do Sul, a produção do Clube de Gravura, mormente aquela de Danúbio Gonçalves, continua escrevendo a história". Falando especificamente da série Charqueadas, disse que "com seu caráter plástico acentuadamente expressionista, esta série alimentou o imaginário local, tanto por sua dramaticidade quanto pelo caráter grandioso de sua construção. [...] A sua permanência, como meio de visualizar a nossa história, mantém um vigor inabalável".[19] Para Adriana Boff, coordenadora de Artes Plásticas da Secretaria da Cultura de Porto Alegre,
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