Guerra do Leite
A Guerra do Leite foi um conflito comercial entre a Rússia e a Bielorrússia que decorreu em junho de 2009. A Rússia e a Bielorrússia têm relações próximas, e o conflito teve origem na alegada tentativa da Rússia de pagar à Bielorrússia 500 milhões de dólares americanos para reconhecer a independência da Abecásia e da Ossétia do Sul. A Rússia também manifestou interesse na privatização da indústria de laticínios bielorrussa. A Bielorrússia respondeu ao estabelecer negociações com a União Europeia para certificar o leite bielorrusso de acordo com as regulamentações da UE. A isto seguiu-se a proibição por parte da Rússia da importação de produtos lácteos da Bielorrússia, alegando preocupações de saúde. O conflito comercial terminou em 17 de junho de 2009, quando a Rússia anunciou que levantaria a proibição. Mais tarde, em 2009, o presidente bielorrusso Alexander Lukashenko manifestou arrependimento por não ter apoiado a Rússia no reconhecimento da Abecásia e da Ossétia do Sul. A Câmara dos Representantes bielorrussa enviou uma missão de pesquisa às regiões em disputa para estudar se a Bielorrússia deveria ou não fornecer reconhecimento diplomático. A Geórgia protestou contra a missão e instou a Bielorrússia a manter o não-reconhecimento. A Rússia ameaçou com outra Guerra do Leite em 2013 e voltou a impor proibições temporárias sobre produtos lácteos bielorrussos desde então. As proibições estiveram em vigor em junho de 2017 e de fevereiro de 2018 até serem em grande parte levantadas em maio de 2019. As preocupações russas incluem sanções ocidentais que supostamente permitem à Bielorrússia tirar proveito do mercado ao produzir produtos de qualidade inferior. Por sua vez, os produtores bielorrussos alegam que a Rússia lhes impôs obstáculos severos. A Bielorrússia tem contestado estas guerras comerciais, afirmando que contribuem para o isolamento internacional do país. AntecedentesA Bielorrússia e a Rússia são dois países vizinhos pós-soviéticos que estão ligados por meio de um tratado especial de aliança.[1] As tensões entre os dois começaram no final de 2006, com o aumento dos preços do gás da Rússia e com o início da reconciliação entre a Bielorrússia e a União Europeia (UE),[2] ao juntar-se à Parceria Oriental, uma iniciativa para melhorar as relações económicas e políticas entre a UE e seis estados pós-soviéticos.[3] A UE levantou a proibição de viagens ao Presidente bielorrusso Alexander Lukashenko, apesar de manter a posição de que as eleições presidenciais bielorrussas de 2006 foram manipuladas.[3] Após a Guerra Russo-Georgiana de 2008, a Rússia reconheceu a independência das regiões disputadas da Abecásia e da Ossétia do Sul.[4] A Bielorrússia foi pressionada a reconhecer a Abecásia e a Ossétia do Sul como estados independentes.[3] Na época, apenas a Rússia e a Nicarágua haviam concedido reconhecimento diplomático à Abecásia e à Ossétia do Sul.[5] A Bielorrússia não reconheceu a Abecásia nem a Ossétia do Sul e iniciou negociações com os Estados Unidos para libertar prisioneiros políticos.[3] Em períodos de relações tensas, a Rússia já havia proibido produtos de carne da Polónia, vinho da Moldávia, peixe enlatado da Letónia e a maioria dos produtos agrícolas da Geórgia.[2] Disputa comercialVisita de Putin a MinskEm 29 de maio de 2009, o Primeiro-Ministro russo Vladimir Putin visitou a capital da Bielorrússia, Minsk, e ofereceu os últimos 500 milhões de dólares de um empréstimo de 2,4 mil milhões de dólares, sob a condição de que o empréstimo fosse pago em rublos russos.[6] Lukashenko afirmou que o empréstimo foi oferecido com a condição de que a Bielorrússia reconhecesse a Abecásia e a Ossétia do Sul como independentes.[7] Oficiais russos negaram isso[5] e congelaram o empréstimo,[7] com o político russo Alexei Kudrin a expressar preocupação ao afirmar que a Bielorrússia não se poderia dar ao luxo de ser economicamente independente até o final do ano.[6] Frustrada por depender economicamente da Rússia, a Bielorrússia recusou o empréstimo.[6] Após o cancelamento do empréstimo russo, a Bielorrússia assegurou um empréstimo de 1 bilião de dólares do Fundo Monetário Internacional.[3] Durante a visita, a Rússia também procurou privatizar os principais produtores de laticínios bielorrussos. A Bielorrússia respondeu imediatamente iniciando negociações com a União Europeia para certificar os padrões de leite bielorrusso de acordo com as regulamentações da UE.[6] A Rússia reagiu enviando inspetores de saúde liderados pelo Chefe do Serviço Sanitário, Gennady Onishchenko, que anteriormente era responsável por proibir itens alimentares de outros estados pós-soviéticos.[6] Onishchenko afirmou que os produtos lácteos bielorrussos não possuíam certificação adequada e aconselhou a Rússia a proibir todas as importações relacionadas.[6] A mídia russa começou a transmitir a alegação de que os produtos lácteos bielorrussos representavam um risco para a saúde.[6] Proibição de produtos lácteos, boicote da CSTO e negociaçõesO The New York Times descreveu as preocupações de saúde da Rússia como "uma arma em disputas geopolíticas" que a Rússia frequentemente usa em disputas comerciais.[8] Em 6 de junho de 2009, a Rússia proibiu cerca de 1 200 produtos lácteos da Bielorrússia.[5] A proibição foi vista como prejudicial para a indústria de laticínios bielorrussa, da qual 95 por cento de suas exportações vão para a Rússia.[5] No entanto, um oficial bielorrusso afirmou que era "difícil entender por que esses produtos foram proibidos de forma tão veemente e demonstrativa", já que que os produtos que foram proibidos não haviam sido, de qualquer forma, autorizados para exportação para a Rússia..[2] Oficiais russos negaram que a proibição fosse política.[5] The New York Times, Politico, e The Sunday Times referiram-se ao conflito comercial como a "guerra do leite".[5][6][9] Lukashenko pediu aos seus conselheiros que elaborassem uma lista de ameaças económicas hipotéticas que a Rússia poderia impor à Bielorrússia.[1] O Ministério das Relações Exteriores bielorrusso afirmou que a proibição configurava "restrições comerciais discriminatórias que violam acordos internacionais".[10] O Ministério das Relações Exteriores também anunciou as intenções de Lukashenko de boicotar a cúpula da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO) realizada em Moscovo[7] onde se previa a assinatura de um acordo de segurança coletiva.[11] A Rússia considerou a cúpula como crucial para contrariar a influência da NATO e do Ocidente nos estados pós-soviéticos.[5] Lukashenko denunciou a assinatura, argumentando que qualquer acordo seria ilegítimo sem a participação de todos os Estados membros; Uzbequistão também estava ausente da cúpula.[11] As negociações começaram em 15 de junho de 2009.[6] As alegadas preocupações de saúde sobre os produtos lácteos não foram abordadas durante as negociações.[6] Em 17 de junho de 2009, a Rússia anunciou que a proibição de produtos lácteos bielorrussos seria suspensa no dia seguinte.[8] Putin explicou que a justificação para a Guerra do Leite estava na quantidade de produtos lácteos importados, sem mencionar preocupações anteriores com a qualidade.[11] O número de produtos lácteos bielorrussos com permissão para serem importados para a Rússia foi posteriormente duplicado.[11] A Bielorrússia desmantelou postos alfandegários estabelecidos durante a Guerra do Leite e retirou trinta oficiais aduaneiros colocados na fronteira Bielorrússia-Rússia.[12] Após o levantamento da proibição, Andrew Wilson do think-tank Conselho dos Negócios Estrangeiros (European Council on Foreign Relations) declarou Lukashenko como vencedor da Guerra do Leite, mas expressou preocupações quanto à sobrevivência a longo prazo da Bielorrússia.[1] Vitali Silitski escreveu no Politico que a Rússia continuaria a tentar remover Lukashenko do cargo.[6] ConsequênciasInvestigação bielorrussa em Abecásia e Ossétia do SulEm julho de 2009, o Ministério das Relações Exteriores da Bielorrússia emitiu um alerta de viagem afirmando que os cidadãos deveriam entrar na Abecásia e na Ossétia do Sul apenas através da Geórgia.[13] Durante uma reunião em setembro de 2009, na Lituânia, Lukashenko afirmou que a Bielorrússia deveria ter reconhecido a Abecásia e a Ossétia do Sul como independentes há muito tempo para apoiar a Rússia.[14] Lukashenko denunciou uma "caça às bruxas contra a Bielorrússia" devido ao cancelamento do empréstimo de $500 milhões e que "alguns na [liderança russa] nos queriam subjugar, ou não queriam que reconhecêssemos essas repúblicas de modo algum."[14] Em outubro de 2009, Lukashenko elogiou as relações da Bielorrússia com Abecásia e Ossétia do Sul, e afirmou que precisava de estudar a sua situação antes de decidir reconhecer a independência.[14] O presidente da Câmara dos Representantes Vladimir Andreichenko anunciou que faria uma "avaliação objetiva" sobre Abecásia e Ossétia do Sul.[14] Mais tarde no mesmo mês, Lukashenko expressou sua opinião de que a Rússia não tinha outra escolha senão reconhecer a independência de Abecásia e Ossétia do Sul em virtude "do seu direito à autodeterminação".[15] Em novembro de 2009, a Bielorrússia enviou membros do parlamento para a Geórgia, Abecásia e Ossétia do Sul para realizar o estudo.[16] A Geórgia reagiu, instando a Bielorrússia a não reconhecer as regiões disputadas como estados independentes.[16] Desenvolvimentos pós-2009Em dezembro de 2010, o vazamento de telegramas diplomáticos dos Estados Unidos levavam a crer que Lukashenko teria reclamado que a UE não lhe tinha dado suficiente crédito por resistir à pressão russa para reconhecer a Abecásia e a Ossétia do Sul.[17] Os telegramas também indicavam que Lukashenko expressara preocupações de que o aumento dos preços do gás russo obrigaria a Bielorrússia a reconhecer a Abecásia e a Ossétia do Sul.[17] Em março de 2014, após a anexação russa da Crimeia da Ucrânia, Lukashenko equiparou a posição da Bielorrússia em relação ao reconhecimento do status disputado da Crimeia à sua posição em relação à Abecásia e à Ossétia do Sul.[18] Lukashenko afirmou: "A Crimeia, assim como Ossétia, Abecásia e outras regiões, não é um estado independente. Hoje, a Crimeia é [de facto] parte da Federação Russa. Não importa se o reconhece ou não, o fato permanece."[18] Em março de 2018, Paata Sheshelidze, presidente da New Economic School – Georgia, relatou que a Geórgia continuava a pagar à Bielorrússia pelo seu não-reconhecimento.[19] Diplomacia do talão de cheque russoDesde a Guerra do Leite, a Rússia tem praticado a "diplomacia do talão de cheques" e pagou a vários estados pelo seu reconhecimento da Abecásia e Ossétia do Sul.[20] Em setembro de 2009, a Venezuela tornou-se o terceiro estado a reconhecer a Abecásia e Ossétia do Sul como independentes.[21] Uma semana depois, a Rússia assinou "acordos econômicos e comerciais multibilionários" com a Venezuela, descritos pela Jamestown Foundation como uma "taxa de reconhecimento".[21] Em dezembro de 2009, Nauru tornou-se o quarto estado a reconhecer a Abecásia e Ossétia do Sul como independentes, ao que a Geórgia apontou como resultado da troca de um investimento de $50 milhões por parte da Rússia.[22] Em maio de 2011, Vanuatu reconheceu a Abecásia; o político vanuatense Joe Natuman afirmou que a Rússia teria concedido $50 milhões ao país pelo reconhecimento.[20] Em outubro de 2011, Tuvalu reconheceu a Abecásia e Ossétia do Sul, mas repudiou o reconhecimento em março de 2014, depois de a Geórgia oferecer, em contrapartida, $250000.[20] Oliver Bullough, escrevendo para The New Republic, afirmou que a decisão de Tuvalu "poderia significar o fim de uma estratégia diplomática que custou milhões à Rússia."[20] A Geórgia também forneceu Fiji com 200 computadores para manter o não-reconhecimento.[23] Em maio de 2018, a Síria reconheceu a Abecásia e Ossétia do Sul; a Rússia tem fornecido à Síria apoio militar para lutar contra a sua guerra civil desde 2015.[24] Disputas Comerciais PosterioresAmeaça de 2013 e Proibição Temporária de 2017Em agosto de 2013, Vladislav Baumgertner, CEO do produtor russo de potassa Uralkali, foi detido em Minsk por envolvimento num suposto esquema criminal depois de a Bielorrússia o ter convidado para conversações.[25] Em outubro de 2013, a Rússia proibiu as importações de laticínios da Lituânia, com Onishchenko a manifestar preocupação com a sua qualidade.[26] A proibição foi vista como um esforço para exercer pressão política sobre a Lituânia, que na época detinha a Presidência do Conselho da União Europeia, por estar a planear sediar uma cúpula da UE para estreitamento de laços económicos a vários estados pós-soviéticos.[26] Em dezembro de 2013, a Rússia anunciou a intenção de suspender a proibição depois da ameaça da Lituânia de que iria apresentar uma queixa à Organização Mundial do Comércio sobre uma "guerra do leite".[27] Em janeiro de 2014, as restrições foram levantadas.[28] Em 2014, a UE e os EUA impuseram sanções à Rússia devido à anexação da Crimeia, na Ucrânia.[29] A Rússia respondeu com a proibição da importação de certos alimentos de países ocidentais.[29] A Rússia acusou a Bielorrússia de explorar a situação ao fabricar mercadorias de qualidade inferior para exportação para a Rússia, enquanto que os produtores bielorrussos afirmavam que a Rússia tinha criado, de forma intencional, barreiras comerciais.[29] Em junho de 2017, a Rússia proibiu queijos produzidos pelas empresas bielorrussas Belsyr e Shchuchin Creamery, denunciando fraude devido a inconsistências de rotulagem.[30] A Rússia levantou a proibição nesse mesmo mês.[30] De 2016 a 2017, as exportações de produtos lácteos bielorrussos para a Rússia diminuíram 12,8%.[31] Proibição de laticínios de 2018-2019
Artyom Belov, Diretor Geral da União Nacional de Produtores de Laticínios[32] Em 16 de fevereiro de 2018, o Presidente do Tatarstão, Rustam Minnikhanov, encontrou-se com o Primeiro-Ministro Russo, Dmitry Medvedev, e expressou a sua preocupação de que os agricultores locais estavam a sofrer prejuízos porque a produção de laticínios tinha sido deslocada para mão de obra mais barata para o leite em pó na Bielorrússia.[33] Em 20 de fevereiro,[33] Medvedev fez um apelo público para que a Rússia priorizasse a sua indústria de laticínios doméstica, especificamente no Tatarstão, em vez de depender de outros membros da União Económica Eurasiática.[33] Medvedev instruiu o Vice-Primeiro-Ministro, Arkady Dvorkovich, a elaborar uma proposta económica para a indústria de laticínios.[33] Dois dias depois,[33] a Rússia proibiu temporariamente alguns produtos lácteos bielorrussos, citando preocupações com a saúde.[29] O deputado da Duma Estatal Ayrat Khairullin levantou suspeitas de que produtos lácteos bielorrussos que entraram na Rússia para entrega ao Cazaquistão e ao Quirguistão estavam a ser entregues ilegalmente a fábricas russas, citando irregularidades no transporte.[33] Em 1 de março de 2018, Lukashenko reconheceu a proibição.[31] Em 24 de abril de 2018, Lukashenko proferiu seu Discurso sobre o Estado da Nação e criticou tanto as nações ocidentais quanto a Rússia por contribuírem para o isolamento da Bielorrússia.[34] No discurso, Lukashenko denunciou "aquelas guerras do leite, carne e açúcar que nosso parceiro mais próximo lançou contra nós para bloquear os nossos produtos de entrar no mercado russo".[34] Os preços do leite cru russo aumentaram durante o verão de 2018.[32] Em maio de 2019, a proibição da importação de leite a granel da Bielorrússia para a Rússia foi levantada.[35] No entanto, a proibição de alguns produtos lácteos bielorrussos permaneceu em vigor.[32][35] Referências bibliográficas
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