O Brasil é um dos principais países produtores de bovinos, sendo que em 2020 o rebanho era composto por 218,2 milhões de cabeças de gado. Vale ressaltar que 1,7 milhão de toneladas de carne in natura foram exportadas e produziu-se 35,4 bilhões de litros de leite nesse mesmo ano[1].Contudo, para que o país produza tamanho quantitativo de bovinos faz-se necessário o uso da biotecnologia da reprodução animal chamada de Inseminação Artificial em Tempo Fixo (IATF), uma vez que essa técnica proporciona que um grande volume de fêmeas bovinas sejam inseminadas em menor tempo e em período determinado pelo responsável técnico da propriedade. Somado a isso, consequentemente, haverá maior taxa de prenhez e nascimentos. A IATF apresentou um aumento de 24,6% no ano de 2021, desse modo, pode-se concluir que 93,3% do rebanho inseminado em 2021 foi por IATF.[2]
Evolução da IATF no Brasil
A inseminação artificial em bovinos surgiu com o objetivo proporcionar o melhoramento genético dos animais. Data-se que em meados do séc. XVIII, foi relatado a primeira IA em mamíferos no meio científico, efetuada pelo fisiologista e sacerdote italiano Lazzaro Spallanzani, que inseminou artificialmente cadelas.[3][4]Já em 1912, o médico veterinário russo, Elias Ivanov realizou estudos sobre criopreservação de sêmen, criou a vagina artificial para utilizar nas coletas de sêmen, bem como realizou inseminação artificial em éguas e obteve uma taxa de prenhez de aproximadamente 80%. Depois utilizou a técnica em bovinos e ovinos.[5]Além disso, em 1938, a URSS inseminou mais de 50 milhões de fêmeas bovinas.[5]A primeira inseminação no gado zebuíno (Bos indicus) aconteceu na Índia, no ano de 1943.[6]
A primeira inseminação artificial em território brasileiro se deu em 1940. Entretanto, começou a ser comercializada apenas na década de 70 com o surgimento das centrais de reprodução animal.[7]Contudo, a partir do intuito de tornar mais fácil o uso da inseminação artificial, foram criados protocolos hormonais que promovem a realização da IA em período determinado, conhecida por IATF.[3]Somado a isso, vale ressaltar que no ano de 2002, o quantitativo de vacas tanto de corte quanto leite inseminadas representou um total de 1% de fêmeas bovinas aptas para reproduzir foram inseminadas artificialmente por IATF. Em 2007, o percentual de IATF cresceu para 25; no ano de 2012 correspondeu a 65%; em 2017 representou 85% e no ano de 2021, 93,3% de fêmeas passaram pela IATF. E em 2021 26.480.025 protocolos de hormonioterapia foram comercializados no mercado nacional. Pode-se concluir que ao longo de 19 anos a IATF cresceu aproximadamente 300%.[8]
Ciclo Estral da Fêmea Bovina
O ciclo estral da fêmea bovina é controlado pelo eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal, composto por: ovários, responsáveis pela secreção de estradiol e progesterona; hipotálamo, GNRH; hipófise, produz as gonadotrofinas FSH (hormônio folículo estimulante - responsável pelo desenvolvimento folicular e secreção hormonal), LH (hormônio luteinizante - contribui na formação do corpo lúteo) e o útero que produz as prostaglandinas.[10]
A manifestação do estro ocorre com o advento da puberdade, fase transitória entre a juventude e a idade adulta marcada pela maturidade sexual, bem como pela ovulação fértil e desenvolvimento de CL[11], uma vez que já foi enviado estimulo do sistema nervoso central (SNC) para o hipotálamo, aonde liberará a gonadotrofina GnRH e posteriormente, o FSH e LH que irão estimular o desenvolvimento folicular e formação de CL.[10]Entre os fatores que influenciam a puberdade temos:
Peso corporal, em geral as fêmeas atingem a puberdade quando possuem 40-50% do seu peso corporal adulto[12]
A condição nutricional que estão submetidas desde o desmame[13]
Melhoramento genético, fêmeas geradas por cruzamentos são mais precoces quanto a manifestação do cio na puberdade[14]
Manipulação hormonal, induzir a ovulação de pré-púberes para antecipar a puberdade[15][16]
Bioestimulação, consiste em deixar machos entre as fêmeas pré-puberes para estimular cio com a ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal[17]
Desse modo, o ciclo estral das vacas é manifestado a cada 21 dias, mas pode variar de 18-24 dias e é dividido em: proestro, estro, metaestro e diestro.[18][19]A fase de proestro (período de 3 dias) ocorre após a luteólise, há aumento na secreção de estradiol e a vaca apresenta comportamento de montar nas outras, porém não está receptiva a monta. Já a fase de estro (cio), a fêmea aceita a monta, há liberação de muco vaginal que possui aspecto transparente (similar a clara de ovo) e micção elevada. Além disso, o estro é o dia 0 do ciclo das vacas e pode durar de 3 a 18 horas, pois depende da raça, temperatura, manejo e outros fatores. A ovulação ocorre no metaestro (3-4 dias de duração), devido a isso, a fêmea não aceita mais a monta e o CL estabelece sua atividade. O último estágio do ciclo é o diestro (dura 14 dias, em média), a vaca fica em inatividade sexual, caso não tenha emprenhado ocorre a regressão do CL e inicia-se outro ciclo.[10][19][20]
Sincronização da Ovulação da fêmeas
O crescimento e desenvolvimento dos folículos nas fêmeas ruminantes é constituído por 2-3 ondas foliculares em cada ciclo estral, a quantidade delas depende do comprimento do ciclo e da duração da fase lútea.[10][21] Em cada onda há recrutamento de pequenos folículos (emergência folicular) estimulado pelo pico de FSH, que permite o crescimento e amadurecimento dos folículos, essa fase de crescimento dura cerca de 3 dias [10][22][23]. Apesar de ser recrutado um grupo de folículos, apenas um prossegue com o crescimento e se torna folículo dominante, enquanto os demais sofrem atresia (param de crescer e regridem), devido a presença de CL com secreção de altos níveis de progesterona. Nesse contexto dos folículos que sofrem atresia, a progesterona exerce efeito de retroalimentação/feedback negativo no eixo SNC-hipotálamo-hipófise-ovário, o que causa a redução do LH, inviabilizando assim a maturação final do folículo, bem como a ovulação.[24][10][25]Vale ressaltar que a progesterona cai após 12-36 horas do seu pico, a alta taxa de LH promove o desenvolvimento do folículo dominante, que por sua vez, secreta estradiol, induzindo o cio, por meio do feedback positivo no hipotálamo e a partir de um pico de LH a ovulação e formação do CL são induzidas. Nesse momento, o CL produz e mantém seus níveis de progesterona até a luteólise.[18][26][27]
A sincronização da ovulação é constituída em duas fases: Inicialmente, faz-se a indução com o intuito de provocar a regressão do corpo lúteo (CL), para que desse modo todos os indivíduos do lote atinjam a fase folicular no mesmo período, nessa fase o hipotálamo libera GnRH que por sua vez estimula a hipófise a liberar LH e FSH, que atuam no folículo. Por conseguinte, através dos protocolos hormonais estende-se a fase lútea (período que o CL está ativo e não há ovulação) com uma fonte exógena de progesterona, por exemplo: dispositivo/implante intravaginal, a fim de que todo o lote entre na fase folicular ao mesmo tempo[28].Entretanto, as fêmeas bovinas escolhidas para serem protocoladas precisam antes passar por avaliação a partir de exame ginecológico completo, classificação de escore corporal – ECC, definir a categoria o animal (nulípara, primípara ou multípara), histórico reprodutivo e como está seu esquema sanitário[29].
Hormonioterapia da IATF
Em geral protocolos de sincronização consistem em: utilizar o dispositivo/implante intravaginal (DIV) de progesterona, sendo liberada de forma lenta simulando a fase lútea; associado a estrógeno a fim de gerar regressão dos folículos. Feito isso, após o estrógeno ser metabolizado inicia-se nova onda folicular em cerca de 4 dias, nesse momento é administrado o estradiol – 17β, com o intuito de induzir o pico pré-ovulatório de LH e a ovulação, contribuindo com a ação da prostaglandina (também pode ser incluído análogos de prostaglandina para atuar na regressão de algum CL que esteja presente) no protocolo e consequentemente, eleva a precisão da sincronização.[30][31]
A ovulação do folículo dominante é subordinado a remoção da fonte de progesterona (após 5-9 dias), posteriormente, aplica-se algum indutor de ovulação, os principais são: análogos ou superanálogos do GnRH, éstreres de estradiol (benzoato de estradiol - BE e o Ciprionato de estradiol - CE). Observou-se efeito positivo quanto ao uso da prostaglandina na ovulação em bovinos[32][33].Dito isso, o período de realização da IATF depende de qual indutor foi usado, pois cada um apresenta intervalo especifico entre a sua administração e ovulação. Por exemplo, se for usado o Benzoato de estradiol (tem meia-vida com duração de cerca de 3 dias)[34]sua aplicação pode ser feita 24h depois da retirada da fonte de progesterona (P4), dessa forma, a ovulação ocorrerá entre 66 – 78 horas[35][36].Já com a aplicação de CE, haverá um pico de LH depois de 38 horas e ovulação após 55 horas ou 66 horas.[37][38]
Vantagens da IATF
Algumas das vantagens da realização de IATF são:[39]
Possibilita a concentração de nascimentos;
Contribui para o melhoramento genético do rebanho;
Proporciona nascimento de animais descendentes de reprodutores já falecidos;
Não há necessidade de detectar o estro;
Eleva as taxas de prenhez do rebanho;
Há a possibilidade de sexagem dos espermatozoides, para que nasçam apenas machos ou fêmeas;
Diminuiu o número de touros da propriedade.
Desvantagens da IATF
Entretanto, há alguns impasses que podem surgir durante a implantação de IATF, tais como:[39]
Contratação de mão-de-obra qualificada;
Investimento em instalações adequadas;
Custeio de materiais e insumos para realização da IATF;
Maior e mais eficiente controle dos manejos.
Participação da IATF na economia
A IATF movimentou cerca de 3,5 bilhões de ganhos na cadeia produtiva de carne e leite em 2018, no Brasil. Somado a isso, convém destacar ainda que há mais de 3 mil médicos veterinários com especialidade em reprodução animal, exercendo sua profissão nas propriedades, considera-se que são realizadas 3.500 IATF por cada profissional. Além disso, a IATF movimentou R$ 796 milhões para custeio da técnica no país, sendo 33% de serviço veterinário e 66% corresponde a venda de sêmen e fármacos. Devido a grande procura pela IATF, há previsões de que será necessário 7.200 médicos veterinários para suprir as demandas do mercado da reprodução de bovinos. Comprova-se que a cada R$ 1,00 investido na IATF há um lucro/retorno de R$4,50 seja na cadeia produtiva de corte ou leite.[40]
↑ abBaruselli, Pietro Sampaio; Catussi, Bruna Lima Chechin; Abreu, Laís Ângelo de; Elliff, Flávia Morag; Silva, Laísa da Garcia da; Batista, Emiliana Santana; Crepaldi, Gabriel Armond (2019). «Evolução e perspectivas da inseminação artificial em bovinos». Revista Brasileira de Reprodução Animal (2): 308–314. Consultado em 7 de julho de 2022
↑ abHafez, E. S. E.; Hafez, B. Reprodução Animal, 7.ed. Barueri: Editora Manole, 2004. 513p.
↑ abPfeifer, L. F. M.; Andrade, E. R.; Carvalho, D. L. de (2020). Manejo reprodutivo. [S.l.]: In: SALMAN, A. K. D.; PFEIFER, L. F. M. (Ed.). Pecuária leiteira na Amazônia. Brasília, DF: Embrapa, 2020.