Foi também — e sobretudo — satirista e panfletário. Denunciava com grande virulência nas páginas do Die Fackel ("A Tocha") — revista que fundou e da qual foi praticamente o único redator durante quase quarenta anos — os compromissos, as injustiças e a corrupção, notadamente a corrupção da língua, na qual via a fonte dos maiores males de sua época, responsabilizando principalmente a imprensa.[1] Crítico da moral burguesa de sua época, Kraus defendeu as prostitutas, os homossexuais e condenou o feminismo.[2] Exerceu influência fundamental em seus conterrâneos Ludwig Wittgenstein, Arnold Schönberg e Adolf Loos.[2]
Biografia
Kraus nasceu em Jičín, Boémia (atualmente, República Checa), no seio de uma abastada família judia, filho de Jacob Kraus, fabricante e comerciante de papel, e de sua esposa, Ernestine, nascida Kantor. A família mudou-se para Viena em 1877 e sua mãe morreu em 1891. Kraus matriculou-se como estudante de Direito na Universidade de Viena, em 1892. Em abril do mesmo ano começou a contribuir para o jornal, Wiener Literaturzeitung, começando com uma crítica a Gerhart Hauptmann, de sua obra Die Weber. Nessa época, tentou, sem sucesso, ser actor num pequeno teatro.
Em 1894 mudou seu campo de estudos para a Filosofia e a literatura alemã. Interrompeu seus estudos em 1896. A sua ligação e amizade a Peter Altenberg vem desse tempo. Aos vinte e quatro anos, começou publicar sua revista satírica quinzenal, Die Fackel (A tocha), em 1899. Tal era o talento satírico de Kraus que Moritz Benedikt, editor da Neue Freie Presse, havia oferecido um ano antes o cargo de chefe da seção satírica do jornal, um cargo que estava vago há cinco anos porque ninguém suficientemente bom havia sido encontrado para a função.
Kraus viveu para seus escritos e organizou sua vida em torno de seu trabalho: para ele havia sacrifícios pessoais muito grandes. Ele mesmo se referiu a ela como "uma forma invertida de viver", dormindo durante o dia e trabalhando a noite toda. Durante sua vida, Kraus tomou posições liberais, conservadoras, socialistas e clericais. Tornou-se membro da igreja católica, mas abandonou o catolicismo em 1922, vinte e três anos depois que, da mesma forma, renunciou ao judaísmo.[2]
Kraus apoiou o Partido Social Democrata da Áustria e, esperando que Engelbert Dollfuss pudesse impedir o nazismo de engolir a Áustria, ele apoiou o golpe de Estado de Dollfuss, que estabeleceu o regime fascista austríaco. Esse apoio afastou Kraus de alguns de seus seguidores.[2]
Em 1933, Kraus escreveu Die Dritte Walpurgisnacht (A Terceira Noite de Walpurgis), cujos primeiros fragmentos apareceram em Die Fackel. Kraus reteve a publicação completa em parte para proteger seus amigos e seguidores hostis a Hitler das represálias nazistas. Esta sátira sobre a ideologia nazista começa com a famosa frase, "Mir fällt zu Hitler nichts ein" ("Nada me ocorre sobre Hitler.")
A última edição de Die Fackel foi publicada em fevereiro de 1936. Pouco depois, Kraus foi atropelado por um ciclista e sofreu de intensas dores de cabeça e perda de memória. Ele deu sua última palestra em abril e teve um grave ataque cardíaco no Café Imperial em 10 de junho. Ele morreu em seu apartamento em Viena em 12 de junho de 1936 e foi enterrado no cemitério Zentralfriedhof em Viena.
Ideias
Embora tenha ridicularizado diversos políticos, sua crítica à sociedade nunca foi meramente política; para Kraus, a esfera da política dizia respeito apenas problemas de superfície, enquanto as raízes da crise contemporânea repousava sobre uma doença do espírito.[2]
Kraus foi objeto de grande controvérsia durante toda a sua vida. Tal se deve à indubitável consciência da sua própria importância. Esta imagem não era de todo infundada: aqueles que o observavam ficavam fascinados com a sua personalidade. Viam nele uma espécie de autoridade infalível e alguém que faria também qualquer coisa para retribuir ou ajudar aqueles que o apoiavam. Não obstante, fez também numerosos inimigos, devido ao seu carácter inflexível.
Opôs-se visceralmente à psicanálise de seu conterrâneo Freud, alegando que não existe nenhum tipo de crise da linguagem, e que o que havia, em sua época, era uma crise cultural, um tipo de cenário degenerativo deflagrado com a linguagem e que se espalhou pela cidade de Viena.[3]
Kraus estava convencido de que qualquer pequeno erro na escrita é responsável pelas grandes tragédias no mundo. Assim, via na falha de uma vírgula um sintoma de que o estado do mundo permitiria uma guerra mundial. Um dos principais pontos de seus escritos era mostrar os grandes males inerentes que aparentemente estariam ligados aos menores erros. A linguagem era para ele o desenvolvedor mais importante dos males do mundo. Ele viu um tratamento negligenciado de seus contemporâneos para com a linguagem e um sinal de descuido no mundo em geral. Para ele, o que nomeavam de crise da linguagem expressava, na verdade, o desconhecimento que guardamos em relação à essência da linguagem, pois “a linguagem não conhece imperfeição interna, e tem uma essência puramente afirmativa” [4] e seu uso faz com que velhos vocábulos renasçam: “que a mais antiga das palavras seja estranha de perto, recém-nascida, e cause dúvida se está viva ou não. Então ela vive”.[5]
Trabalhos seleccionados
Die demolirte Literatur [Demolished Literature] (1897)
Eine Krone für Zion [A Crown for Zion] (1898)
Sittlichkeit und Kriminalität [Morality and Crimical Justice] (1908)
Sprüche und Widersprüche [Sayings and Contradictions] (1909)
Die chinesische Mauer [The Wall of China] (1910)
Pro domo et mundo [For Home and for the World] (1912)
Nestroy und die Nachwelt [Nestroy and Posterity] (1913)
Worte in Versen (1916-30)
Die letzten Tage der Menschheit (1918)
Weltgericht [World Court] (1919)
Nachts [At Night] (1919)
Untergang der Welt durch schwarze Magie [The End of the World Through Black Magic](1922)
Literatur (1921)
Traumstück [Dream Piece] (1922)
Die letzten Tage der Menschheit: Tragödie in fünf Akten mit Vorspiel und Epilog [The Last Days of Mankind: Tragedy in Five Acts with Preamble and Epilogue] (1922)
Wolkenkuckucksheim [Cloud Cuckoo Land] (1923)
Traumtheater [Dream Theatre] (1924)
Die Unüberwindlichen (1927)
Epigramme [Epigrams] (1927)
Die Unüberwindlichen [The Insurmountables] (1928)
Literatur und Lüge [Literature and Lies] (1929)
Shakespeares Sonette (1933)
Die Sprache [Language] (posthumous, 1937)
Die dritte Walpurgisnacht [The Third Walpurgis Night] (póstumo, 1952)
Alguns trabalhos recentemente editados
Die letzten Tage der Menschheit, Versão teatral do autor, 1992 Suhrkamp, ISBN 3-518-22091-8
Aforismos – Seleção e tradução de Renato Zwick, Arquipélago Editorial, 2010.
Os Últimos Dias da Humanidade – seleção e tradução de António Sousa Ribeiro, Antígona, 2003.
Ditos e Desditos – Tradução: Márcio Suzuki, Werner Loewenberg e José Carlos Barbosa. Brasiliense, 1988.
O Apocalipse Estável. Aforismos – seleção, tradução e posfácio de António Sousa Ribeiro, Lisboa, Apaginastantas, 1988. Segunda edição, revista, Lisboa, Fyodor Books, 2015.
Os Últimos Dias da Humanidade. Versão integral. Tradução, posfácio e notas de António Sousa Ribeiro. V.N. de Famalicão, Edições Húmus/TNSJ, 2016.
Em inglês
The Last Days of Mankind: a Tragedy in Five Acts (1974), um resumo tr. Alexander Gode e Sue Allen Wright
In These Great Times: A Karl Kraus Reader (1984), ed. Harry Zohn, contém trechos traduzidos de Die Fackel, incluindo poemas com o texto original em alemão ao lado e uma tradução drasticamente abreviada de The Last Days of Mankind.
Anti-Freud: Karl Kraus' Criticism of Psychoanalysis and Psychiatry (1990) por Thomas Szasz contém as traduções de Szasz de vários artigos e aforismos de Kraus sobre psiquiatria e psicanálise.
Dicta and Contradicta, tr. Jonathan McVity (2001), uma coleção de aforismos.