Devido a uma controvérsia em torno de seu uso como conservante em vacinas que gerou medo entre setores da população, o timerosal deixou de ser usado em vacinas infantis na União Europeia e em alguns outros países.[5] O consenso científico atual é de que estes medos são infundados.[6][7][8][9]
Histórico
O químico da Universidade de Maryland Morris Kharasch patenteou o timerosal em 1927,[10] e o laboratório Eli Lilly posteriormente vendeu o composto sob o nome fantasia Merthiolate.[11] Testes in vitro realizados pelos cientistas H. M. owell e W. A. Jamioeson da Lilly revelaram que o timerosal era entre quarenta e cinquenta vezes mais eficaz que o fenol contra o Staphylococcus aureus.[11] Era utilizado para matar bactérias e prevenir contaminação em produtos antissépticos utilizados por consumidores e em hospitais, incluindo sprays nasais, colírios, soluções para lentes de contato, imunoglobulinas e vacinas. Timerosal era utilizado como conservante bactericida para que ampolas multi-dose de vacinas pudessem ser utilizadas, por serem mais baratas que as de dose única. Em 1938, o timerosal foi listado pela direção de pesquisa do laboratório Lilly como uma das cinco substâncias mais importantes já desenvolvidas pela companhia.[11]
Estrutura
O Timerosal possui mercúrio(II) com número de coordenação 2, ou seja, há dois ligantes fazendo ligações com o Hg, o tiolato e um grupo etil. O grupo carboxilato confere solubilidade na água. Como outros compostos Hg(II), a geometria de coordenação do Hg é linear, com um ângulo S-Hg-C de 180°. Tipicamente, compostos organomercúricos tiolato são preparados a partir de cloretos organomercúricos.[1]
Usos
O principal uso do timerosal é como antisséptico e antifúngico, devido ao efeito oligodinâmico. Em sistemas de administração de medicamentos injetáveis multi-dose, previne efeitos adversos sérios tais como a infecção por Staphylococcus que, em um incidente em 1928, matou 12 de 21 crianças vacinadas contra a difteria com uma vacina que não possuía um conservante.[12] Diferentemente de outros conservantes de vacinas utilizados à época, o timerosal não reduz a potência das vacinas que protege.[11]Agentes bacteriostáticos como o timerosal não são necessários em injetáveis de dose única.[13]
Nos Estados Unidos, assim como na União Europeia e em outros países desenvolvidos, o timerosal não é mais utilizado como conservante em vacinas dos calendários de vacinação infantil.[5] As únicas exceções entre as vacinas rotineiramente recomendadas para crianças nos Estados Unidos são algumas formulações da vacina da gripe inativada para crianças maiores de dois anos.[14] Diversas das vacinas que não fazem parte da recomendação típica para crianças pequenas contém timerosal, incluindo as contra a difteria e o tétano; outras vacinas podem conter traços de timerosal devido a estágios da fabricação.[12] O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente recuou de uma proposta anterior de adicionar o timerosal em vacinas para a lista de compostos banidos em um tratado que visava reduzir a exposição ao mercúrio pelo mundo.[15] Durante as discussões sobre o Mercúrio, o grupo de especialistas em imunização reafirmou que as vacinas contendo timerosal são "componentes da imunização seguras, essenciais e insubstituíveis", e que devido aos altos custos e a necessidade de refrigeração das vacinas sem timerosal que muitos países, em especial os em desenvolvimento, não teriam capacidade de custear, a decisão final das Nações Unidas foi excluir o timerosal do tratado.[16]
No Brasil, todos os medicamentos contendo compostos mercuriais são proibidos desde 2001, exceto em sua utilização como conservantes de vacinas.[17]
Toxicologia
O timerosal é extremamente tóxico por inalação, ingestão e ao contato com a pele (símbolo de risco T+), com o risco de efeitos cumulativos. Também é extremamente tóxico para organismos aquáticos e pode causar efeitos adversos em ambientes aquáticos (símbolo de risco N).[18] No corpo humano, é metabolizado ou degradado em etilmercúrio (C2H5Hg+) e ácido tiosalicílico.[12]
Há casos reportados de severa intoxicação por mercúrio causados por exposição acidental ou tentativa de suicídio, com algumas mortes.[19] Experimentos com animais sugerem que o tiomersal se dissocia rapidamente para liberar etilmercúrio após a injeção, que os padrões de disposição de mercúrio são similares àqueles após a exposição a doses equivalentes de cloreto de etilmercúrio, e que o sistema nervoso central e os rins são afetados, com perda de coordenação motora sendo um sintoma comum. Sinais e sintomas semelhantes foram observados em envenenamentos humanos acidentais. Os mecanismos da ação tóxica são desconhecidos. A maior parte da eliminação do corpo se dá por eliminação fecal. O etilmercúrio é eliminado do sangue com uma meia-vida de cerca de 18 dias em adultos pela quebra molecular em outras substâncias, incluindo o mercúrio inorgânico.[carece de fontes?]
Etilmercúrio é eliminado do cérebro em aproximadamente 14 dias em macacos bebês. A avaliação de riscos para efeitos no sistema nervoso foram feitas pela extrapolação a partir de relações dose-resposta para metilmercúrio.[20] Metilmercúrio e etilmercúrio se distribuem para todos os tecidos corporais, cruzando a barreira hematoencefálica e a placenta, e o etilmercúrio também se move livremente por todo o corpo.[21] Preocupações baseadas em extrapolações a partir do metilmercúrio levaram à remoção do timerosal das vacinas infantis do Estados Unidos a partir de 1999. Desde então, se descobriu que o etilmercúrio é eliminado do corpo e do cérebro a taxas significantemente mais rápidas que o metilmercúrio, de modo que as avaliações feitas nos anos 90 se mostraram demasiadamente conservadoras.[20] Apesar do mercúrio inorgânico metabolizado a partir do etilmercúrio ter uma meia-vida no cérebro muito mais extensa, de pelo menos 120 dias, parece ser muito menos tóxico que o mercúrio inorgânico produzido a partir de vapores de mercúrio inalados, por motivos ainda não conhecidos.[20]
Alergias
O timerosal é utilizado no teste epicutâneo para pessoas com dermatite, conjuntivite, e outras reações potencialmente alérgicas. Um estudo norueguês de 2007 encontrou que 1.9% de adultos apresentavam reação epicutânea positiva ao timerosal,[22] enquanto que em populações da Alemanha foi observada uma prevalência de até 6,6% de reação alérgica ao contato.[23] Foi observada uma redução na incidência de alergia ao timerosal em populações da Dinamarca, tendo sido atribuída como causa provável a cessação do seu uso em vacinas.[24] Em um estudo com crianças e adolescentes polonesas apresentando eczema crônico recorrente, reações positivas ao timerosal foram encontradas em 11,7% das crianças (7-8 anos) e 37,6% dos adolescentes (16-17 anos). A causa desta diferença nas taxas de sensitização foram atribuídas a diferenças nos padrões de exposição.[25]
Indivíduos sensíveis ao timerosal podem receber imunização por injeções intramusculares em vez de subcutâneas.[26] Na aplicação prática da vacinação de populações adultas, alergia de contato não parece suscitar reações clínicas.[23]
Autismo
Após uma revisão sobre fármacos e alimentos contendo mercúrio realizada em 1999, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC EUA) e a Academia Americana de Pediatria pediram para os fabricantes de vacinas que removessem o timerosal das vacinas por precaução, e este foi rapidamente retirado da maioria das vacinas nos Estados Unidos e na Europa.[11][27] Isto foi visto por muitos pais de crianças como indicativo de que o conservante era causador de autismo.[11] O consenso científico, no entanto, é de que não há boas evidências que dêem suporte a estas afirmações, incluindo a observação de que os diagnósticos de autismo continuam a aumentar apesar da eliminação do timerosal das vacinas infantis de rotina.[8][28][29][30]
Esta controvérsia trouxe malefícios, levando alguns pais a tentarem curar seus filhos autistas com tratamentos sem comprovação e possivelmente perigosos, desencorajando alguns pais a vacinarem seus filhos devido a temores com relação à toxicidade do timerosal,[35] e direcionando recursos que poderiam ter sido levados a áreas de pesquisa mais promissoras para as causas do autismo.[36] Milhares de processos judiciais foram abertos nas cortes estadunidenses pedindo indenização por danos causados pela alegada toxicidade das vacinas, incluindo aqueles supostamente causados pelo timerosal.[37]
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