Bioassinatura, também conhecida como "biomarcador" ou "bioindicador", é um indicativo de atividade biológica presente ou passada e, em geral, consiste no produto do metabolismo de organismos vivos.[1] Em outras palavras, trata-se de algum traço, elemento ou característica que indique que há ou houve vida num determinado planeta ou satélite. Por exemplo, o oxigênio, gás abundante na atmosfera terrestre, é considerado uma bioassinatura de nosso planeta, pois é produzido por organismos fotossintetizantes.
Trata-se, portanto, de um conceito fundamental para a área da Astrobiologia, uma vez que esta se dedica a estudar o passado, o presente e o futuro da vida na Terra e a possibilidade de sua existência em outros mundos.[2][3][4]
Tipos de bioassinaturas
As bioassinaturas subdividem-se em alguns tipos: moleculares, morfológicas e tecnológicas.[2]
As moleculares compreendem: padrões de isótopos;[5][6] minerais precipitados por atividade biológica;[7][8] gases atmosféricos[9] e variações sazonais na detecção de gases e outros fatores que possam indicar a interação de organismos vivos com a troca de estações.[10]
As morfológicas compreendem: macro ou microestruturas sedimentares, como fósseis.[11]
Recentemente, houve a proposição de um tipo especial de bioassinatura: a tecnológica, também chamada de tecnoassinatura, ou seja, indicadores de atividade tecnológica por hipotéticas civilizações extraterrestres.[12][13] Exemplos de tecnoassinaturas seriam robôs, sondas e satélites artificiais como aqueles produzidos na Terra e enviados a outros locais do Sistema Solar (i.e. missões Perseverance e Venera, satélites Sputink e sondas Voyager, Pioneer e Huygens). Também entram nessa categoria sinais de rádio (objeto de estudo dos projetos SETI) e estruturas artificiais hipotéticas como as Esferas de Dyson.
Independentemente do tipo, todas as bioassinaturas caracterizam a modificação do ambiente pela presença da vida.
Roadmap da NASA
Bioassinaturas constituem o sétimo objetivo do mapa de ação da NASA para o desenvolvimento da Astrobiologia.[14] Trata-se de um documento que dá um direcionamento ao campo, organizando-o em torno de três questões principais:[2][15]
Qual é a origem da vida e, especialmente, da vida na Terra?
Existe vida em outros locais do Universo além de nosso planeta?
Qual é o futuro da vida na Terra e além dela?
O documento também define sete grandes focos de investigação da disciplina, chamados de "objetivos científicos". Especificamente em relação às bioassinaturas, ele define que o primeiro passo é saber reconhecer esses indicadores de vida e corretamente interpretá-los. A partir daí, é preciso identificar bioassinaturas capazes de caracterizar vida pregressa em amostras da Terra primitiva, assim como buscá-las em amostras obtidas por missões in situ[16] e até em amostras trazidas para a Terra de outros mundos. Menciona também a identificação e medição de bioassinaturas detectadas remotamente em atmosferas e superfícies de exoplanetas, ou seja, planetas que estão fora do Sistema Solar, orbitando outras estrelas ou gravitacionalmente errantes.
Um dos desafios na detecção e identificação de bioassinaturas é que não se sabe quais aspectos da vida tal qual a conhecemos na Terra são exclusivos de nossa biosfera e quais são universais.[17] Essa incerteza influencia na formatação das buscas e testes realizados em amostras, já que o que se procura em ambientes extraterrestres são traços e padrões conhecidos na Terra. O documento reconhece que alguns processos e estruturas moleculares terrestres (como o DNA e as proteínas, por exemplo) podem não se repetir em outros locais, embora pontue que os princípios básicos da evolução biológica podem, de fato, ser universais.[3]
Por fim, entende-se que, para serem inequívocas, as bioassinaturas (ou seja, os sinais de alterações num determinado ambiente pela presença de vida) devem ser suficientemente complexas e abundantes, e sua ocorrência por processos abióticos deve ser improvável.
Falso positivo e negativo
Um falso positivo ocorre quando um indicador ou sinal entendido como causado por atividade biológica é, na verdade, fruto de processos abióticos. Em exemplo de falso positivo foi o do Programa Viking, responsável pelo envio das sondas Viking 1 e 2 a Marte na década de 1970.[2] Três experimentos de busca por vida extraterrestre foram enviados; dois deles partindo do pressuposto de que uma possível vida marciana seria similar à vida microbiana terrestre. Uma mistura de água e matéria orgânica foi misturada ao regolito marciano na expectativa de que um metabolismo consumisse esses elementos e liberasse gás carbônico. Inicialmente, o resultado foi positivo, porém, com o tempo, compreendeu-se que a composição mineral do regolito, consideravelmente distinta do solo terrestre, era o que causava a degradação dos nutrientes por meio de reação puramente química. Este caso constituiu um falso positivo.[2]
Um falso negativo, por outro lado, corresponderia à inabilidade de detectar vida extraterrestre por ela ser diferente do que se espera e projeta, e, portanto, ter seus traços confundidos com processos químicos, geológicos etc.
Biosfera Sombra
Uma hipótese que leva em consideração nossa inabilidade de reconhecer vida não familiar é a chamada "Biosfera Sombra".[18][19] Essa hipótese parte da ideia de que todas as formas de vida conhecidas e catalogadas em nosso planeta são similares do ponto de vista molecular, tendo o mesmo ancestral nos primeiros bilhões de anos da Terra. Entretanto, poderia haver uma ou mais linhagens de vida provindas de origem distinta e, portanto, com uma bioquímica desconhecida, compartilhando o planeta conosco sem ser detectada. Assim, a hipótese gira em torno de caminhos alternativos e diferentes gêneses para a vida, mesmo na Terra.
Potenciais bioassinaturas
Controvérsias envolvendo potenciais bioassinaturas em formato de fósseis e gases atmosféricos ocorreram nas últimas décadas. Embora ainda suscitem debates, os casos listados a seguir podem ser considerados falsos positivos ou podem gerar falsos positivos.
Allan Hills 84001
Também conhecido como "ALH84001", trata-se de um meteorito de origem marciana encontrado na Antártida em 1984 cuja idade estimada é de 4 bilhões de anos.[20] Em 1996, um estudo propôs que estruturas microscópicas tubulares encontradas dentro do meteorito possuíam origem biológica, sendo microfósseis de colônias bacterianas.[21][2][22] Estudos posteriores, contudo, concluíram que processos abióticos podem formar estruturas similares. O debate ainda vigora, inclusive com novos argumentos, mas a postura da comunidade científica é de que as microestruturas são formações geológicas cujo formato apenas imita fósseis.[23][24]
Metano em Marte
A vida é um fenômeno que causa desequilíbrio químico e energético nos sistemas onde está presente. Isso porque organismos vivos, por meio de seus metabolismos, consomem energia disponível e geram produtos. Na Terra, o gás metano é um desses produtos, sendo que 90% da produção desse gás é atribuída às atividades metabólicas de organismos vivos. Em Marte, foi detectada a presença desse gás, juntamente com vapor d'água, durante o verão de 2003 e 2006, assim como variações ao longo das estações.[25][26]
Essas detecções são intrigantes porque as concentrações de metano podem estar relacionadas à atividade microbiana. Seu status como uma bioassinatura, contudo, é incerto, já que processos hidrotermais atuais e vulcanismo já extinto podem ser os responsáveis pela presença desse gás na atmosfera.[27]
Fosfina em Vênus
Em 2020, houve uma proposta de detecção do gás fosfina na atmosfera de Vênus.[28] O artigo reavivou uma antiga proposta dos cientistas Harold Morowitz e Carl Sagan a respeito da presença de uma vida flutuante nas nuvens daquele planeta, uma vez que sua superfície é notoriamente hostil por sua temperatura e pressão elevadas.[29] Pouco tempo após sua publicação, entretanto, o artigo de 2020 foi contestado por estudos que afirmavam que ou os níveis de fosfina eram muito mais baixos do que o inicialmente indicado ou que a assinatura espectroscópica desse elemento havia sido confundida com a de outros gases, indicando, inclusive, erros na calibragem dos instrumentos utilizados na detecção.[30][31]
Assim como o caso do metano em Marte, a detecção de fosfina em Vênus poderia ser considerada uma bioassinatura caso fosse confirmada, uma vez que, na Terra, esse elemento é resultado de atividades antrópicas e/ou da decomposição da matéria orgânica por microrganismos anaeróbicos.[32]
Oxigênio
Originalmente, o oxigênio em abundância era considerado uma bioassinatura inequívoca, especialmente no que tange à detecção remota de bioassinatura em exoplanetas. Hoje, entretanto, a questão é mais complexa, pois há dinâmicas planetárias que podem gerar esse elemento mesmo sem a presença de vida[33][34]. Além disso, o oxigênio como produto da fotossíntese só esteve presente na atmosfera terrestre em grandes concentrações por um período relativamente curto da história do planeta[33]. Assim, a capacidade de detectar a presença desse elemento e corretamente interpretar sua origem em exoplanetas depende da análise do contexto ambiental local[33].
Além do oxigênio, da fosfina e do metano, outros gases já foram propostos como bioassinaturas gasosas, como o ozônio e o óxido nitroso[34].
↑ abDes Marais, David J.; Nuth, Joseph A.; Allamandola, Louis J.; Boss, Alan P.; Farmer, Jack D.; Hoehler, Tori M.; Jakosky, Bruce M.; Meadows, Victoria S.; Pohorille, Andrew (agosto de 2008). «The NASA Astrobiology Roadmap». Astrobiology (em inglês) (4): 715–730. ISSN1531-1074. doi:10.1089/ast.2008.0819. Consultado em 15 de junho de 2023
↑«NASA Astrobiology». astrobiology.nasa.gov (em inglês). Consultado em 15 de junho de 2023
↑Des Marais, David J.; Nuth, Joseph A.; Allamandola, Louis J.; Boss, Alan P.; Farmer, Jack D.; Hoehler, Tori M.; Jakosky, Bruce M.; Meadows, Victoria S.; Pohorille, Andrew (agosto de 2008). «The NASA Astrobiology Roadmap». Astrobiology (em inglês) (4): 715–730. ISSN1531-1074. doi:10.1089/ast.2008.0819. Consultado em 18 de junho de 2023
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↑Baratoux, Germán Martinez, Anni Määttänen, David (15 de fevereiro de 2022). «The Mystery of Methane on Mars Thickens». Eos (em inglês). Consultado em 19 de junho de 2023
↑Greaves, Jane S.; Richards, Anita M. S.; Bains, William; Rimmer, Paul B.; Sagawa, Hideo; Clements, David L.; Seager, Sara; Petkowski, Janusz J.; Sousa-Silva, Clara (julho de 2021). «Phosphine gas in the cloud decks of Venus». Nature Astronomy (em inglês) (7): 655–664. ISSN2397-3366. doi:10.1038/s41550-020-1174-4. Consultado em 19 de junho de 2023