Língua cabardiana
O cabardiano (ādəγabzə) é uma língua do noroeste do Cáucaso, pertencente a família abcázio-adigué das línguas caucasianas. Possui uma relação de proximidade com a língua adigué e são mutualmente inteligíveis, e juntas formam o braço circassiano dessa família.[1] Falado historicamente na região da Grande Cabárdia, que hoje corresponde ao território da República de Cabárdia-Balcária, uma região autônoma da Federação Russa, vivem 400 mil falantes do cabardiano, onde é considerado uma de suas línguas oficiais. O número de falantes mundo afora é desconhecido, mas é estimado que quantidade considerável deles ainda vivam na Turquia, Síria e Jordânia, descendentes daqueles que emigraram após a conquista russa do Cáucaso em 1864.[2] Como outras línguas do noroeste do Cáucaso, o cabardiano apresenta um sistema complexo de consoantes, um sistema extremamente simples de vogais, um sistema de prefixações e a ordem sujeito-objeto-verbo para os constituintes sintáticos.[3] EtimologiaOs povos adigués e cabardianos são frequentemente chamados de circassianos e referem-se a si mesmos como ādəγa, e a sua língua de ādəγabzə. A maioria dos circassianos e adigués consideram-se membros de uma só nação, com história, costumes e instituições sociais em comum.[1] O termo "circassiano" tem duas etimologias: alguns o relacionam com a palavra grega Kerkétai para um dos povos antigos da costa leste do mar Negro, e outros dizem que deriva do osseto cärgäs, originado da palavra cita čarkas, que significa nobre.[1] O termo ādəγa, de acordo com um ponto de vista, deriva de 'atığə, que significa "alto (em altitude)" para designar um montanhista, já que o povo circassiano vive nas montanhas e perto delas há milhares de anos.[4] DistribuiçãoCom população composta por 55,3% de cabardianos étnicos, e mais de 400,000 falantes da língua cabardiana, a República da Cabárdia-Balcária concentra a maioria dos falantes do idioma no mundo. Mais de 90% dos cabardianos étnicos usam o cabardiano como língua nativa, e quase todos são bilíngues e também falam russo.[2] A quantidade de falantes do cabardiano mundo afora é desconhecida, mas existem comunidades falantes da língua com uma quantidade significativa de pessoas na Jordânia, Turquia e Síria, formadas por exilados do Genocídio Circassiano após a conquista russa do Cáucaso. É estimado que 400.000 cabardianos e adigués foram exilados, enquanto seus descendentes sofreram assimilação linguística parcial em seus novos países. Hoje há cerca de 200.000 cabardianos étnicos na Turquia e 30.000 na Síria, mas não se sabem quantos deles falam a língua cabardiana.[2] Dialetos
Todos são mutualmente inteligíveis, mas o Besleney difere dos demais por transicionar entre o cabardiano e a língua adigué.[5] FonologiaO cabardiano tem um dos sistemas fonológicos mais complexos dentre todas as línguas do mundo. Nas palavras nativas há apenas duas vogais, e cerca de 50 consoantes, dependendo do dialeto. A vogal a pode ser curta ou longa.[6] Vogais
Consoantes
Fenômenos fonéticosAs plosivas desvozeadas são assimiladas às plosivas e fricativas que as seguem com respeito às características da voz e glotalização:[8]
Duas vogais não podem ocorrer uma próxima da outra; quando o primeiro morfema termina, e o segundo começa com uma vogal, as duas vogais se fundem, onde a vogal baixa é mais forte (ə-a se torna a, a-ā vira ā):[8]
ApofoniaComo as línguas semitas, cartevélicas e línguas indo-europeias mais antigas, as línguas da família abcázio-adigué possuem alterações morfológicas de vogais, a apofonia. Alternações de vogais no cabardiano são frequentemente usadas com verbos, especialmente para expressar a categoria de transitividade/intransitividade. As alternações de vogais mais comuns são:[9]
Ortografia
História da escritaO cabardiano era uma língua sem escrita até o começo do século XX, embora tenha havido tentativas de escrevê-lo usando uma escrita árabe adaptada. Até o século XX, o árabe clássico era a língua de alfabetização em todo o Cáucaso. Alfabetos especiais para o cabardiano, baseado no árabe e no cirílico russo, foram desenvolvidos pelo acadêmico Shora Nogma (1801-1841), que também é o autor do primeiro dicionário russo-cabardiano. Entretanto, esses alfabetos não persistiram, nem os alfabetos árabe e latinos desenvolvido pelo médico Muhamed Pčegatluxov. A escrita latina foi adaptada para o cabardiano em 1923 por M. Xuranov na Rússia Soviética, sendo usada até a sua substituição, em 1936, por um cirílico russo adaptado, que até hoje é usado como o alfabeto cabardiano. Existem hoje algumas tentativas para reintroduzir a escrita latina, especialmente com a diáspora cabardiana na Turquia, onde o alfabeto latino é usado. Entretanto essas tentativas não se concretizaram na Cabárdia.[3] GramáticaO cabardiano é uma língua polissintética, na qual há um número muito maior de morfemas comparado ao número de palavras em uma frase. Substantivos podem assumir uma quantidade relativamente pequena de formas, mas o complexo verbal normalmente contém um grande número de afixos para uma série de classes gramaticais. Os morfemas combinam-se dentro de uma palavra de acordo com o princípio aglutinativo: cada morfema representa somente uma categoria gramatical. A exceção é a categoria de pessoa que sempre é fundida com a categoria de número no caso de verbos e pronomes.[13] SubstantivosOs substantivos em cabardiano podem ser flexionados em definição, número e caso. De todas as línguas da família abcázio-adigué, somente o abecásio e o abaza têm a categoria de gênero; a língua cabardiana não apresenta traços dessa categoria.[13] NúmeroExistem dois números na língua cabardiana: singular (não marcados) e plural (geralmente marcados); o sufixo do plural é (-xa), e é opcional para vários substantivos, usado somente quando quem fala quer enfatizar que o substantivo é plural.[13][14]
Todos os plurais marcados são definidos (o X), ou são indefinidos mas específicos (um certo X, conhecido pelo falante, mas não pelo ouvinte), e são marcados no caso absolutivo (-r).[14] Ocasionalmente o sufixo do plural pode ser usado para indicar grupos sociais, como famílias, enquanto a adposição səma é usada para pluralizar nomes pessoais e indicar grupos mais específicos:[14][15]
Substantivos que denotam substâncias e substantivos coletivos não possuem plural:[15]
DefiniçãoA definição só é claramente diferenciada nos casos principais (nominativo e ergativo): os finais (-r) e (-m) são adicionados somente quando o substantivo é definido; substantivos indefinidos não recebem marcação.[16]
Em alguns substantivos, cujo significado é inerentemente definido, o sufixo é opcional:[16]
Se um substantivo no caso instrumental é definido, a marcação do ergativo (-m) é colocado antes da terminação do instrumental (-č'a):[16]
CasosDiferente das outras línguas da família abcázio-adigué, o cabardiano e o adigué tem os casos marcados por sufixos nos substantivos, adjetivos e pronomes. Os casos são: nominativo (-r), ergativo (-m), instrumental (-č'a) e adverbial (-wa). Os casos principais, que expressam relações sintáticas básicas em uma sentença são o nominativo e o ergativo, e os casos periféricos são o instrumental e o adverbial.[15] O nominativo é o caso do predicado nominal:[15]
O nominativo também é o caso do sujeito intransitivo e do objeto transitivo:[17]
O ergativo é, basicamente, o caso oblíquo geral usado para todas as outras funções gramaticais; como no caso do sujeito transitivo:[17]
Substantivos e adjetivos no caso adverbial geralmente correspondem aos advérbios nas línguas europeias, indicando as circunstâncias em que a ação foi realizada:[18]
O caso instrumental corresponde ao instrumental em línguas eslavas, expressando o instrumento com o qual a ação é executada, entretanto também pode indicar várias circunstâncias de uma ação, assim como o trajeto utilizando verbos de movimento:[19]
PronomesO cabardiano apresenta pronomes pessoais em primeira e segunda pessoa, e uma variedade de pronomes em terceira pessoa que também podem ser usados como pronomes demonstrativos; não há distinção entre "ele", "este","esse" ou "aquele". Além disso, os pronomes são declinados em quatro casos gramaticais.[20][21] Pessoais e demonstrativos
O pronome da terceira pessoa é formado com os radicais (ā-), (mə-) e (maw-). Podem aparecer sem a marcação do nominativo (-r), que expressa a definição dos pronomes pessoais.[20]
O (ā-) é o pronome básico usado em anáfora (fazer referência ao que já foi mencionado no texto), enquanto (mə-) e (maw-) estão em oposição em relação ao grau de distância do falante: (mə-) refere-se a um objeto mais próximo (ou pessoa), e (maw-) a um mais distante.[20] VerbosA morfologia verbal do cabardiano é extremamente complexa. Prefixos e sufixos são usados para indicar diferentes categorias verbais, e também há a apofonia (alternância das vogais da raiz). Verbos não possuem categoria de voz (não há distinção entre ativa e passiva), mas possui as categorias de transitividade, pessoa, número, tempo, modo, causalidade, dois tipos de construções aplicativas (benéficas/maléficas e conjuntividade/comitativa), reflexividade, reciprocidade, involuntariedade e evidencialidade. Verbos ativos e estáticos são distintos sistematicamente, e muitas das categorias citadas não se aplicam a verbos estáticos.[23] O complexo verbal consiste em um número de prefixos, a raiz, e um número de sufixos. As posições dos prefixos seguem a seguinte ordem, de acordo com a sua categoria:[23]
As posições dos sufixos:[24]
Negação verbalA negação do verbo é expressa com o sufixo (-q'əm), quando o verbo é flexionado para número e pessoa, e com o prefixo (mə-) quando o verbo não é flexionado; neste caso o prefixo precede imediatamente a raiz do verbo, ou prefixo causativo.[24]
As duas negações verbais diferem em escopo: o prefixo (mə-) tem o seu sentido restrito sobre o núcleo verbal, enquanto o sufixo (-q'əm) nega a sentença inteira.[24] TempoO cabardiano possui um sistema complexo de tempos verbais. Ele distingue as dimensões básicas do presente, futuro e passado, e, junto ao passado, dois graus de distância: o pretérito e o pretérito imperfeito denotam ações que ocorreram em um passado recente, enquanto o pretérito perfeito denota um evento no passado distante. A categoria de tempo é majoritariamente expressa por sufixos:[25]
O significado de tempos verbais anteriores não é totalmente claro. De acordo com livros de referência, tempos anteriores indicam ações que duraram algum tempo no passado e suas formas são glossadas com a adição do advérbio "então".[27] A diferença entre o futuro categórico e o futuro factual, também não é exatamente clara. Algumas fontes falam que o futuro categórico expressa a intenção de realizar uma ação, enquanto o futuro factual expressa a certeza que a ação será realizada.[28] Alguns autores referem-se ao futuro II como condicional, sendo formado adicionando o sufixo (-t ) a forma do futuro factual. Parece que as formas com o sufixo (-nt ), que às vezes são consideradas parte de um modo verbal distinto (o subjuntivo), pode ser incluído nessa categoria.[29] ModosOs modos verbais do cabardiano são: indicativo, imperativo, admirativo, optativo, condicional e permitivo.[30]
EvidencialidadeO sufixo básico da evidencialidade é o (-ġan), ele é usado para expressar que a ação provavelmente está ocorrendo (ou que aconteceu, ou que acontecerá), mas que isso não foi evidenciado pelo locutor.[32]
Invés da categoria da evidencialidade, a gramática da língua cabardiana menciona sobre um especial "modo verbal hipotético". Entretanto, ela não se encaixa como uma sub categoria de modo verbal; a evidencialidade é usada para informar a fonte de informação com que a afirmação é baseada. Como confirmação de que o "modo hipotético" não pertence à mesma categoria que outros modos verbais, é que podemos usar, ao contrário dos afixos dos modos verbais verdadeiros, o sufixo da evidencialidade combinado com o sufixo indicativo (-ś). [32]
SentençaComo na maioria das línguas caucasianas, o cabardiano apresenta a ordem SOV como padrão para os elementos de sua sentença, mas outras ordens também podem aparecer.[33] VocabulárioNúmeros cardinais
Exemplo de texto1o artigo da Declaração Universal dos Direitos HumanosЦIыху псори щхьэхуиту, я щIыхьымрэ я хуэфащэхэмрэкIэ зэхуэдэу къалъхур. Акъылрэ зэхэщIыкI гъуазэрэ яIэщи, зыр зым зэкъуэш зэхащІэ яку дэлъу зэхущытын хуейхэщ.[35] Transliteração: C'ykhu psori shhehuitu, ya sh'iikhymyare ya khuefashhekh'emrek'Ie zekhuedeu k'al'khur. Akyalre zekhe sh'iik'I g'uazare ya'eshchi, zyr zym zek'uesh zekhash'e yaku del'u zekhuschytyn khueikhesh.[36] Tradução: Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Menções
Referências
Bibliografia
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