Língua moçárabe
O moçárabe foi um contínuo de dialetos românicos intimamente relacionados, falados nas áreas da Península Ibérica dominadas pelos muçulmanos durante o período inicial do desenvolvimento das línguas românicas na Ibéria. O moçárabe, cujos falantes nativos denominavam a sua língua por latino[1], descende do latim tardio e dos primeiros dialetos românicos falados na Península dos séculos V a VIII (Hispânia era o nome de um grupo de três províncias romanas, e o nome mais utilizado durante os períodos romano e visigodo da história local). Este grupo de dialetos veio a ser conhecido como língua moçárabe posteriormente, embora nunca tenha constituído um padrão comum e o nome nativo da língua fosse latino.[1][2] O termo moçárabe vem da palavra árabe musta'rab (مستعرب), que significa "arabizado". Em árabe a língua moçárabe era denominada al-ajamiyya (palavra que significa língua estranha ou estrangeira), lathinī ou latiniya, sendo os dois últimos termos mais próximos do nome que os próprios moçárabes denominavam a sua língua[1]. HistóriaNuma época mais primordial, as línguas ou dialetos românicos simplesmente denominavam-se como “latim” porque não eram entendidas como muito diferentes dessa língua; o processo de diferenciação do latim para as diferentes línguas românicas foi gradual e nos séculos VIII e IX as línguas românicas faladas não eram tão diferenciadas do latim tardio dos séculos V a VII, eram línguas ou dialetos de transição entre o latim tardio e as línguas românicas da Idade Média. A partir dos séculos XII e XIII as línguas românicas começaram a ser denominadas pelos nomes das regiões onde se falavam: por exemplo aragonês pela região de Aragão, castelhano por Castela, catalão pela Catalunha, francês pela França, etc., porque começaram a ser entendidas como línguas próprias e não como variedades do latim. Este fenómeno também está relacionado com a consolidação das novas entidades políticas na Idade Média, com a vontade das mesmas de atribuir um nome diferente à língua falada em cada entidade política como um dos modos da sua afirmação e diferenciação. Portanto, o nome latino (latim) reflete o arcaísmo da língua românica moçárabe[1]. Também é importante notar que há outras duas línguas românicas (igualmente com características arcaizantes) que se denominam com base no nome de latim: o ladino ou Judeu-espanhol e o ladino alpino ou língua ladino-dolomítica (ladin). O número de moçárabes era particularmente grande na parte meridional e leste da Península, mas não se pode supor que todos os moçárabes aceitaram plenamente a língua dos dominadores; muitíssimos, se não a maior parte, seguiam usando o romance (esse sim, com grande influência árabe), pelo menos como língua familiar, e empregavam o árabe como língua cultural. Um dos mais poderosos meios de penetração de elementos aloglóticos eram constituídos pelos bilíngues e os moçárabes porque a eles se deve em grande parte a entrada abundante de elementos árabes no léxico das línguas ibero-românicas. À medida que a Reconquista cristã avançava para o sul, a velha população cristã ia incorporando elementos moçárabes sempre novos. Se aos habitantes dos territórios independentes (ou dominados pelos árabes por um espaço de tempo bastante breve) era fácil aceitar as expressões árabes ao copiar instituições ou objetos de grande importância, os moçárabes, que viviam ou haviam vivido em contato direto e prolongado com seus dominadores, sem conhecer uma vida cultural intensa em língua românica, deixavam penetrar na sua língua não só tais denominações de instituições e objectos importantes, como também designações de coisas e objectos de valor secundário. O moçárabe em território espanholDurante a Reconquista, nos séculos posteriores ao século XI, com o desmembrar do Califado de Córdova, o número de arabismos cresceu consideravelmente. Nos territórios que são hoje a Espanha, a penetração do castelhano, desde meados do século XI, começou a predominar sobre as demais línguas, de forma que os modernos dialectos da Espanha meridional podem se considerar, com justa razão, não como continuações dialetais do românico local (os diversos dialetos do latino, denominado atualmente por moçárabe) e sim como posteriores sobreposições de elementos espanhóis centrais e setentrionais em território de população parcialmente arabizada na maior parte. Em Aragão e Castela, a Antiga (Castilla la Vieja), restaram muitos textos aljamias isto é, textos em romance neolatino navarro-aragonês e espanhol arcaico, porém escritos em alfabeto árabe. A seção de manuscritos da biblioteca Rainha Sofia disponibiliza alguns. Descrição linguísticaClassificaçãoO moçárabe era uma língua românica com um léxico e uma gramática claramente herdadas do latim tardio. No entanto, a sua classificação dentro das línguas românicas não é clara porque não apresenta muitas das evoluções fonéticas típicas das línguas ibero-românicas.[1][2] FonologiaEm alguns aspetos, o moçárabe era mais arcaico do que as outras línguas românicas da Península Ibérica. Tal fenómeno é coerente com o princípio de que as variedades linguísticas mais isoladas e periféricas agem como "ilhas de conservadorismo linguístico". A partir dos documentos escritos em românico identificáveis como moçárabe (latino), citam-se como exemplos de características arcaizantes as seguintes:[1][2]
Morfologia e gramáticaA morfologia de algumas palavras é mais semelhante ao latim que em outras línguas românicas em geral[1][2]. DialetosÉ provável que as variedades moçárabes não tiveram dificuldades de compreensão com as variedades do português, castelhano e catalão, que entraram em contato após a Reconquista em cada zona em que se falava o moçárabe. A variante do romance moçárabe falado na região conquistada por Portugal era conhecida como moçárabe-lusitano. Provavelmente estas variedades sofreram algumas modificações, lentamente, na direção da nova língua dominante, desaparecendo como dialetos separados identificáveis já no século XIII. Ou seja, menos de duzentos anos após o início da Reconquista, as variedades moçárabes tornaram-se extintas em Portugal. Restaram no entanto inúmeros documentos aljamias, isto é, em romances castelhano, galego-português e navarro-aragonês, porém escritos no alfabeto árabe. As bibliotecas Reina Sofia (em Espanha) têm-nos em grande quantidade nas secções de incunábulos. Não mais concernindo ao aspecto cultural e lingüístico, porém ao social, muitos moçárabes foram considerados mouriscos, isto é, muçulmanos convertidos ao cristianismo. e vice-versa. Em 1.625, devido à desconfiança de que estes cristãos novos fossem falsamente convertidos, ou seja de que fossem muçulmanos às ocultas, tal qual muitos dos cristãos novos marranos (judeus convertidos) eram cripto-judeus,foi decretada sua expulsão. Com a expulsão dos mouriscos de Espanha, muitos milhares permaneceram fazendo-se passar por moçárabes. Dos que foram expulsos, grandes contingentes dirigiram-se às recém-descobertas terras da América, sobretudo México, Guatemala, Colômbia e Argentina. Sugere-se que, durante este processo de absorção, o moçárabe exerceu certa influência sobre as cada vez mais numerosas variantes setentrionais, mas a única prova clara desta influência está no vocabulário, visto que é clara a presença de alguns moçarabismos no espanhol e noutras línguas. É também provável que muitos dos arabismos presentes no espanhol, catalão e português chegaram a estas línguas, através da mediação do moçárabe. Observando-se que a escrita moçárabe não era habitual, nunca surgiu uma língua padrão, além do que a diferença do falar entre cidades tão distantes (como, por exemplo, Valência, Córdova e Lisboa) era bastante acentuada. Comparação com outras línguas
Reconstrução fonética e comparação entre línguas românicas (Pai Nosso) [3]
Ver tambémReferênciasAmostra de textoMoçárabe: Mieu sīdī Ïbrâhîm yâ tu uemne dolche vent' ad mib de nohte in non si non queris irey-m' ad tib garri-m' ad ob legar-te. Português Meu senhor Ibrahim, Ó você, doce homem! Venha a mim à noite. Caso contrário, se você não quiser vir, eu irei até você, diga-me onde encontrar-lhe. Bibliografia
Ligações externas
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