Infância, primeiros empregos e iniciação na música
Nelson é filho de dois imigrantes portugueses: Manoel Gonçalvez Sobral (nascido em Trás-os-Montes e trazido ao Brasil em 1902, aos 12 anos) e Libânia de Jesus (nascida em Viseu e trazida ao Brasil em 1911, aos 17 anos).[5] Ambos moravam inicialmente no Rio de Janeiro, onde se conheceram, casaram-se e tiveram o primeiro filho, Joaquim.[6] Trabalhando no ramo dos tecidos, decidem migrar para o sul do Brasil em 1918, buscando melhores oportunidades, e se estabelecem em Sant'Ana do Livramento, no Rio Grande do Sul, onde Nelson nasceu em 21 de junho de 1919.[6]
Em 1926, mudou-se com seus pais para São Paulo, mais precisamente para uma casa comprada na Rua Almirante Barroso no bairro do Brás[6] (outra fonte diz que era alugada[7]).
Matriculado no Liceu Eduardo Prado, que equilibrava disciplinas tradicionais com uma convivência com o mundo rural. Lá, Nelson sofreu bullying dos colegas e golpes de palmatória da professora por sua dificuldade em falar.[6] Num desses castigos, sucumbiu à raiva e jogou um tinteiro na professora, provocando sua expulsão.[8]
Nesta época, passou a ajudar seu pai no sustento do lar, acompanhando-o em praças e feiras onde, enquanto o pai tocava violino, Nelson cantava, agradando os transeuntes e ganhando gorjetas.[9] Para sustentar a família, seu pai também vendia frutas na feira e fazia serviços de pedreiro.[10]
O pai, em dado momento, deixou o trabalho com tecidos para a esposa e foi tentar carreira musical, cantando fados em barbearias e bares. O dinheiro que ganhava, gastava em bebida com seus colegas. Nelson às vezes o acompanhava nos vocais e Manoel chegava até a se fingir de cego para sensibilizar os passantes.[11]
Para ajudar a sustentar o lar, Nelson trabalhou também como jornaleiro, mecânico, engraxate, polidor e tamanqueiro (atuou como este último por dois anos[12]).[13] Querendo ganhar mais dinheiro e seguir uma profissão, inscreveu-se em concursos de luta e venceu, tornando-se lutador de boxe na categoria peso-médio, recebendo, aos dezesseis anos de idade, o título de campeão paulista de luta. Após o prêmio, só ficou mais um ano lutando, pois queria investir em seu sonho de infância: ser artista.[13]
A real motivação para aprender a boxear, contudo, foi uma vingança: numa certa noite, envolveu-se em uma briga com um guarda de rua que praticava boxe e acabou levando uma surra. Decidido a desafiá-lo para uma revanche, foi praticar a luta antes em uma academia no Brás. O tal segundo embate não aconteceu, pois o guarda abandonou os ringues enquanto Nelson ainda treinava. O cantor, contudo, continuou praticando por dois anos.[14]
Carreira na música
Primeiros trabalhos em São Paulo
Sua carreira musical começou a se desenhar com as apresentações ao lado do pai, e ganhou certo impulso quando o irmão mais velho abriu um bar/restaurante na esquina da Avenida São João com a Alameda Nothman, onde a família Gonçalves e outros representantes da música portuguesa no Brasil se apresentavam.[15]
Mesmo com o apelido de "Metralha", por causa da gagueira,[16] tomou coragem e não se deixou levar pelos preconceitos, e decidiu ser cantor, após deixar os ringues de luta.[17] Em uma de suas primeiras bandas, teve como baterista Joaquim Silva Torres. Foi reprovado duas vezes no programa de calouros de Aurélio Campos.[18] Finalmente foi admitido na rádio PRA-5, mas dispensado logo depois, passando a trabalhar como pedreiro.[19]
Por intermédio da família de Elvira, sua primeira esposa, foi apresentado à cantora Sônia Carvalho, que lhe sugeriu o nome artístico Nelson Gonçalves e lhe entregou uma carta de recomendação para a Rádio São Paulo. Lá, Nelson fez um teste com o maestro Gabriel Migliori e conseguiu um contrato de 300 mil-réis por mês.[20]
Ficou desempregado após o nascimento dos filhos, e após alguns dias procurando, começou a trabalhar como garçom no bar de seu irmão,[19] onde ganhava 65 mil-réis por mês.[20] Outra fonte diz que ele foi trabalhar lá concomitantemente ao trabalho na Rádio São Paulo a convite do irmão.[21] Fato é que Nelson perdeu o emprego na rádio quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial - os executivos demitiram todos os artistas por incerteza quanto ao futuro.[20]
Mudança para o Rio e primeiras gravações
Em 1941, em busca de uma vida melhor, partiu com a esposa e os filhos para o Rio de Janeiro, onde trilhou mais uma vez o caminho dos programas de calouros, apresentando-se em diversas emissoras. Foi reprovado novamente na maioria deles,[20] inclusive no de Ary Barroso, que o aconselhou a desistir e voltar aos ringues.[21] Mesmo muito desolado, não desistiria fácil do seu sonho de ser cantor.[22] Nelson chegou a dormir nas pedras do quebra-mar da Praia do Flamengo em alguns momentos pela falta de dinheiro.[20] Em duas semanas, decidiu voltar a São Paulo.[21]
Voltou a atender no bar do irmão e tentava a sorte cantando em outros boates e clubes do bairro. Um dia, os compositores Orlando Monello e Osvaldo França lhe ofereceram duas composições deles ("Se Eu Pudesse um Dia" e "Os Anos Carregam") para que ele gravasse um acetato na Rádio Record que seria oferecido a Vicente Caccere, dono de uma loja de discos da RCA Victor em São Paulo. Gostasse ele do trabalho, ele recomendaria Nelson à gravadora e compraria 500 cópias para sua loja - o que acabou se concretizando.[23]
Enquanto isso, nas horas vagas, começou a cantar por conta própria em bares, conseguindo gorjetas. Voltou a tentar se apresentar em programas de calouro, sendo enfim aprovado.[24] Foi chamado para gravar um disco de 78 rotações, que foi bem recebido pelo público.[24]
Nelson voltou ao Rio para conversar com a RCA Victor. Sua gagueira causou má impressão,[23] mas Benedito Lacerda preparou um teste para ele e ficou muito impressionado com o desempenho do jovem. Assim, Nelson entrou em estúdio em 4 de agosto de 1941 para gravar seus dois primeiros discos: "Se Eu Pudesse um Dia" / "Sinto-me Bem" e "Formosa Mulher" / "A Mulher dos Meus Sonhos".[25] No mês seguinte, por intermédio de Carlos Galhardo, Nelson foi contratado pela Rádio Mayrink Veiga a 600 mil-réis mais 100 réis por disco vendido,[23] iniciando uma carreira de ídolo do rádio nas décadas de 40 e 50, da escola dos grandes, discípulo de Orlando Silva e Francisco Alves.[24]
Aclamado pela crítica, Nelson lançou outros dois discos em 1941: "Quem Fala É o Coração" / "Fingiu que Não Me Viu" e "Podia Ser Pior" / "Baianinha". Em dezembro, levou os pais, a esposa e a filha para morar com ele no Rio em uma casa compartilhada com um casal na Rua Pedro Américo.[26] Os pais acabaram voltando para São Paulo acompanhados da filha Marilene e em 17 de fevereiro de 1942 nasceu o segundo filho de Nelson: Nélson Antonio Gonçalves.[27] Depois, a família mudou-se para outra casa compartilhada: um sobrado na Rua Paissandu, onde Nelson ocupava o andar superior.[27]
Auge
O cantor se estabeleceu como nome de sucesso na música brasileira, sendo requisitado em boates, rádios e turnês. Em 1942, gravou vinte músicas distribuídas em dez discos.[27]
Foi crooner do Cassino Copacabana (do Hotel Copacabana Palace).[24] O trabalho lhe rendia 9 contos de réis, o que lhe permitiu se mudar para a Rua Gustavo Sampaio, no Leme.[27]
Em 1952, iniciou uma bem-sucedida parceria com Adelino Moreira[29] Em 1955, o então interventor e governador de São Paulo Ademar de Barros, que planejava concorrer à presidência da república contra Juscelino Kubitschek, procurou por Nelson para gravar uma música denominada "Esperança do Brasil". Nelson aceitou, mas não quis que seu nome aparecesse; assim, a canção foi creditada a "Quincas Gonçalves" - nome de seu irmão.[30]
Paulo César de Araújo relata em seu livro Eu Não Sou Cachorro Não, sobre o significado da música "brega" no Brasil, um episódio de 1966 em que Nelson, já com mais de 25 anos de música, foi rejeitado pelo Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, que gravava depoimentos com artistas da música popular, cujo foco se deu em "personagens da velha guarda ligados à 'tradição': João da Baiana, Donga, Pixinguinha, Heitor dos Prazeres, Ataulfo Alves", apesar de chamar o jovem Chico Buarque, então com 22 anos. "(...) julgaram que a produção musical do cantor [Nelson Gonçalves] não justificava a gravação de seu depoimento naquela instituição" (ARAÚJO, 2002, p. 191). Magoado, anos mais tarde, quando o MIS quis o ouvir, Nelson se recusou a deixar depoimento.[32]
Citação: Este episódio envolvendo Nelson Gonçalves e o MIS é mais um exemplo da dificuldade que um artista popular não totalmente identificado à “tradição” ou à “modernidade” encontra para ser “enquadrado” na memória da música popular brasileira. Afinal, o intérprete de A volta do boêmio nunca esteve identificado à “modernidade”, pois, ao contrário de artistas como Dick Farney e Johnny Alf, ele nunca revelou influências do jazz; como também nunca esteve totalmente identificado à “tradição”, visto que os seus sambas-canções, em grande parte de autoria do compositor Adelino Moreira, eram considerados abolerados, descaracterizados ou simplesmente de mau gosto.
Período pós-vício
Mesmo após seus problemas com drogas, continuou gravando regularmente nos anos 70, 80 e 90, reafirmando a posição entre os recordistas nacionais de vendas de discos. Além dos eternos antigos sucessos, Nélson Gonçalves sempre se manteve atento a novos compositores, e chegou a gravar canções de Ângela Rô Rô ("Simples Carinho"), Kid Abelha ("Nada por Mim"), Legião Urbana ("Ainda É Cedo") e Lulu Santos ("Como uma Onda"). Gravou "A Deusa do Amor", que está no álbum Nós, em parceria com Lobão, em 1987, tocando com ele essa música no Globo de Ouro em 1988.[28] Também fez dueto em 1987 com Chico Buarque, na música "Valsinha" (Composição de Vinicius de Moraes e Chico Buarque).[33]
Ganhador de um prêmio Nipper da RCA, dado aos que permanecem muito tempo na gravadora, sendo somente Elvis Presley o outro agraciado. Durante sua carreira, gravou mais de duas mil canções, 183 discos em 78 rpm, 128 álbuns, vendeu cerca de 75 milhões de discos, ganhou 38 discos de ouro e 20 de platina.[34]
Vida pessoal
Casamentos e outros relacionamentos
Em 1939, aos 20 anos (outra fonte diz que foi aos 19[20]), casou-se com sua noiva, Elvira Molla, paulistana de família de operários, descendente de italianos.[12][19] Com ela, teve um casal de filhos: Marilene Molla Gonçalves e Nelson Antônio Molla Gonçalves.[35] No final dos anos 40, o casamento estava abalado e ela se mudou para São Paulo.[36]
Sozinho no Rio, Nelson passou a acompanhar os malandros na Lapa[36] e conheceu Vera Alves Guimarães (conhecida como Betty White), cantora que não se sentiu correspondida e acabou se suicidando em 15 de abril de 1946.[37]
Em 1952, conheceu a cantora Lourdinha Bittencourt, com quem teve uma conturbada relação[29] que se encerraria em 1959 por conta de seu vício.[31]
Vício em cocaína
Nelson experimentou cocaína em 1956, ao retornar de uma turnê em Minas Gerais que o deixou exausto. Um conhecido lhe ofereceu a droga e Nelson se rendeu à sensação de euforia que o pó causava.[30] De 1958 a 1966, sua vida desandou. Lourdinha o deixou e o cantor ouvia comentários jocosos durante suas apresentações.[31] A imprensa sensacionalista, que descobrira seu vício por meio de Lourdinha, explorava ao máximo a desgraça do cantor, encontrando mais lenha para a fogueira no dia em que ele agrediu uma amante sua, a bailarina Nanci Montez.[31]
Em 1964 mudou-se para São Paulo com a nova companheira Maria Luísa e os filhos Ricardo e Jaime. Lá, foi preso em flagrante em 8 de maio de 1966[5] (no momento da prisão, é agredido verbal e fisicamente pelos policiais, que também vandalizaram sua casa, quebrando vários objetos[5]), por porte de drogas, e passou um mês na Casa de Detenção, o que lhe trouxe problemas pessoais e profissionais.[38] Por todo esse tempo sua esposa o visitou no presídio, e juntava economias dela e do marido, que pagavam seu tratamento e seu advogado. Após este período, foi a julgamento e provou sua inocência - segundo ele, um traficante de quem parou de comprar o denunciara como retaliação, informando à polícia que Nelson mantinha 1 kg de cocaína em casa para fins de tráfico.[39]
Após sair da cadeia, internou-se numa casa de saúde e, depois, enfrentou quatro meses de abstinência em casa, isolado em seu quarto.[40] Deixou a cocaína, mas não o cigarro, que possivelmente afetou seu sistema respiratório e lhe causou dois enfartes - o último, definitivo.[40]
Em 1973 conseguiu abandonar de vez seu vício, sempre com o apoio de sua mulher e de seus filhos. Totalmente recuperado, retomou sua carreira, cada vez mais bem sucedida.[41]
No seu centenário, em 2019, os Correios lançaram um selo em sua homenagem.[45] A Prefeitura de Resende, através da Fundação Casa da Cultura Macedo Miranda, o recordou com edição do projeto ‘Arte na Capa’, no Museu da Imagem e do Som da cidade, e com o show "Nelson Gonçalves 100 Anos", na Praça do Centenário.[46][47] A Câmara dos Deputados realizou sessão solene em razão da data.[48] Também foi lembrado com o musical "Nelson Gonçalves, o Amor e o Tempo", no Teatro Clara Nunes.[49][50] 35 discos de Gonçalves foram disponibilizados em streaming pela Sony Music Brasil.[51][52]
Dramatizações
A vida de Nélson Gonçalves teve sua biografia dramatizada nas seguintes obras:
Na década de 90, foi encenado nas principais capitais do país o musical Metralha.[53]
Em 2001 foi lançado o documentárioNélson Gonçalves, contando a sua trajetória, com direção de Elizeu Ewald e protagonizado por Alexandre Borges e Júlia Lemmertz, e tendo a sua filha Margareth Gonçalves como produtora executiva.[53]
AGUIAR, Ronaldo Conde (2013). «Nelson Gonçalves - O Eterno Boêmio». Os Reis da Voz. Rio de Janeiro: Casa da Palavra. ISBN978-85-773-4398-0
BARROSO, Marco Aurélio (2001). A Revolta Do Boêmio: A Vida De Nelson Gonçalves. [S.l.]: Del Autor. ISBN978-8590221814
BASTOS, Cristiano (2019). Nelson Gonçalves: o Rei da Boemia. [S.l.]: Plus. ISBN978-8562837425
CHALITA, Gabriel (2019). Nelson Gonçalves: o amor e o tempo. [S.l.]: Companhia Editora Nacional. ISBN9788504021110
QUEIROGA, Onélia Setúbal Rocha de (2014). Nelson Gonçalves: A Voz do Boêmio. [S.l.]: Ideia. ISBN9788575398623
MACHADO, Adelcio Camilo. O "lado B" da linha evolutiva: Nelson Gonçalves e a "má" música popular brasileira dos anos 1940 e 1950 = The "B-side" of the evolutionary line: Nelson Gonçalves and the "bad" popular music of the 1940s and 1950s. 2016. 1 recurso online (301 p.). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes, Campinas, SP. Disponível em: <http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/305609>. Acesso em: 30 ago. 2018.