Paêbirú: Caminho da Montanha do Sol, também conhecido simplesmente por Paêbirú ou Peabiru é um álbum de Lula Côrtes e Zé Ramalho, lançado no ano de 1975 pela extinta gravadora Rozenblit.[3][2][1] Foi o primeiro e único álbum lançado da parceria entre os dois. Também foi o segundo álbum de Lula Côrtes e o primeiro de Zé Ramalho.
O disco contém uma grande miscelânea de gêneros musicais como o rock psicodélico, jazz, e ritmos regionais do Nordeste Brasileiro.[3] Foi um dos primeiros discos não declarados da psicodélia brasileira.[4] O disco é hoje o vinil com maior valor comercial no Brasil.[5] Bem conservado, um disco da edição original vale em torno de 4 mil reais.[6] O álbum original vem acompanhado de um livro que traz estudos sobre a região e informações sobre a lenda do Caminho da Montanha do Sol.[5]
Contexto
A principal inspiração dos músicos na criação do disco foi a Pedra do Ingá, situada no município de Ingá, no interior da Paraíba.[3] A dupla caminhou até o local em uma expedição na qual usaram cogumelos alucinógenos.[1] No decorrer da criação do disco, a variedade de lendas sobre Sumé – entidade mitológica em que os indígenas acreditavam antes da colonização – inspiraram além da faixa de abertura, diversas passagens do álbum.[3][1] Outras entidades importantes da cultura brasileira, como Iemanjá, também são citadas. O Caminho da Montanha do Sol (ou "Caminho do Peabiru") mencionado em seu nome é uma estrada construída pelos indígenas guarani há mais de mil anos, que ligava o Oceano Atlântico ao Oceano Pacífico, Santa Catarina à Machu Picchu,[1][7] e que passa pelo Vale do Ivaí.[8]
Gravação e perda de cópias
O álbum original, que vem acompanhado de um livro que traz estudos sobre a região e informações sobre a lenda do Caminho da Montanha do Sol[5], teve prensagem única de 1.300 exemplares. Destes, em torno de 1000 se perderam em uma enchente que ocorreu em Recife em 1975,[6] mais precisamente no Rio Capibaribe.[3] Este é o motivo para que uma das 300 cópias que se salvaram tenha valor comercial médio de 4 mil reais.[1] As fitas originais, contudo, conseguiram ser salvas.[1]
A parte gráfica do disco ficou por conta de Katia Mesel, então esposa de Lula Côrtes. O encarte e capa foi resultado de várias idas até a Pedra do Ingá. Foi relançado no ano de 2005 em vinil e CD na Europa pelo selo Mr. Bongo. Só foi relançado em CD no Brasil em 2012.[2] Em 2019, foi relançado em vinil a partir das fitas originais Polysom.[1]
Composição e letras
O nome do disco era para ter sido "Peabiru", cujo significado é próximo de "caminho para o Peru", contudo, houve uma troca de letras ao grafar o nome na capa do disco e acabou ficando "Paêbirú".[1]
Considera-se este álbum como o fundador de uma psicodelia genuinamente brasileira, com elementos da cultura indígena[5]. Sendo composições dos próprios Lula Côrtes e Zé Ramalho, outros músicos contribuíram para a gravação do álbum, como Alceu Valença e Geraldo Azevedo, que mais tarde alcançariam o sucesso.[3]
Trata-se de um disco de vinil duplo, com onze faixas e dividido em quatro lados, cada um dedicado a um dos quatro elementos da natureza: terra, ar, fogo e água.[3] Cada um tem uma sonoridade. Fogo é o lado mais roqueiro, Ar são músicas mais etéreas e com uso de flautas.[1] No lado da Água, há uma parte que faz louvações a Iemanjá.[5] Além dos longos instrumentais psicodélicos e ritmos regionais, também foram adicionados sons sintéticos paralelos aos temas. No lado "Terra", os resultados foram conseguidos através de instrumentos de percussão[1] como tambores, flautas, congas e saxofone alto. Efeitos como aves em voo também foram produzidos, porém não de forma eletrônica. Outros instrumentos típicos como o berimbau também foram utilizados. No lado "Ar", foram introduzidas conversas, risadas, e suspiros, além de harpas e violas. "Fogo" é o lado mais pesado do disco, onde o rock e a psicodelia estão em evidência. São usados sons de guitarra elétrica[1] distorcida, órgão e um som menos acústico. "Raga dos Raios", é até hoje considerada a melhor peça de guitarra fuzz gravada no rock nacional.[4] Em "Água" são colocados fundos sonoros de água corrente,[1] e letras em louvação a entidades que representam o elemento, além da incorporação de gêneros dançantes como o baião. O lado é aberto com um pai de santo cantando um ponto de Iemanjá.[1]
Zé Ramalho quis relançar a faixa "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" em seu disco de 1993, Cidades e Lendas, mas Lula teria exigido que Zé o pagasse pelo uso da faixa co-criada por ele. Isso teria irritado o músico, que cortou relações com o parceiro.[1]
Faixas
Músicos
- Lula Côrtes – vocais em "Culto à Terra" e "Louvação à Iemanjá", tricórdio em "Trilha de Sumé", "Bailado das Muscarias", "Harpa dos Ares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto", "Omm", "Regato da Montanha" e "Sumé", violão de 12 cordas em "Pedra Tempo Animal", guitarra em "Maracas de Fogo", sitar em "Raga dos Raios", arpa em "Omm", percussão em "Trilha de Sumé", "Culto à Terra", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto", "Raga dos Raios", "Maracas de Fogo" e "Regato da Montanha", efeitos sonoros em "Harpa dos Ares", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto", "Maracas de Fogo" e "Regato da Montanha"
- Zé Ramalho – vocais, violão de 12 cordas em "Bailado das Muscarias", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto", "Maracas de Fogo", "Regato da Montanha" e "Sumé", guitarra em "Culto à Terra" e "Regato da Montanha", baixo em "Trilha de Sumé", "Bailado das Muscarias", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé", viola caipira em "Harpa dos Ares", piano em "Omm", ukulele em "Omm", "Raga dos Raios" e "Pedra Templo Animal", percussão em "Trilha de Sumé", "Culto à Terra", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto", "Raga dos Raios", "Maracas de Fogo" e "Regato da Montanha", efeitos sonoros em "Harpa dos Ares", "Omm", "Maracas de Fogo" e "Regato da Montanha"
- Alceu Valença – vocais em "Maracas de Fogo" e "Pedra Templo Animal", efeitos sonoros em "Trilha de Sumé" e "Não Existe Molhado Igual ao Pranto"
- Geraldo Azevedo – violão em "Harpa dos Ares", viola caipira em "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm", efeitos sonoros em "Harpa dos Ares" e "Não Existe Molhado Igual ao Pranto"
|
- Zé da Flauta – saxofone em "Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé"
- Paulo Rafael – baixo em "Pedra Templo Animal"
- Lailson – vocais em "Maracas de Fogo"
|
- Israel Semente – vocais em "Maracas de Fogo", percussão em "Pedra Templo Animal"
- Dikê – saxofone em "Trilha de Sumé", "Culto à Terra", "Não Existe Molhado Igual ao Pranto" e "Omm"
- Agrício Nóia – percussão em "Maracas de Fogo" e "Pedra Templo Animal"
- Don Tronxo – guitarra em "Raga dos Raios"
|
- Jarbas Mariz – berimbau em "Não Existe Molhado Igual ao Pranto"
- Babi – efeitos sonoros em "Pedra Templo Animal"
- Hugo Leão – órgão em "Nas Paredes da Pedra Encantada, os Segredos Talhados por Sumé" e "Maracas de Fogo"
- Marconi Notaro – vocais em "Maracas de Fogo" e "Louvação à Iemanjá", percussão em "Pedra Templo Animal"
|
Legado
Lula Côrtes morreu em 2011, de câncer na garganta. Zé Ramalho, por sua vez, não fala sobre o disco em entrevistas. Sua biógrafa, Christina Fuscaldo, diz que ele se recusa a comentar o disco porque, quando precisou da imprensa para divulgá-lo nos anos 1970, os veículos não lhe deram atenção.[1]
O produtor musicla Rafael Ramos, que também é consultor da Polysom diz que "Paêbirú" representa o experimentalismo na fase seminal desses dois artistas, antes de virem pro Sudeste trabalhar suas carreiras junto a produtores e gravadoras. Então, é a música em seu estado mais puro, sem obrigações, seguindo o que se sentia".[1] Já o jornalista e pesquisador Zé Teles o considera "o disco mais livre da história da música brasileira".[1]
Documentário
Em 2009 começou a ser produzido o documentário "Nas Paredes da Pedra Encantada", dirigido pelo cineasta gaúcho Cristiano Bastos, onde são resgatadas histórias sobre a gravação do álbum por meio de entrevistas com artistas envolvidos direta e indiretamente no projeto.[9]
Em 2011 ele finalmente foi lançado em vários festivais de cinema, e depois foi lançado em DVD pelo selo goiano Monstro Discos, que em 2016 liberou-o na íntegra na internet por meio do YouTube.[10]
Referências
Bibliografia
- Barcinski, André. Pavões Misteriosos — 1974-1983: A explosão da música pop no Brasil São Paulo: Editora Três Estrelas, 2014.