Trio elétrico Nota: Para o álbum da banda Rumbora, veja Trio Elétrico (álbum).
No Brasil, trio elétrico é um caminhão ou carreta adaptado com aparelhos de sonorização para a apresentação de música ao vivo. Através de caixas amplificadoras e alto-falantes, são tocados ritmos como axé, pagode baiano, samba, samba-reggae, frevo etc.[1] É um dos maiores fenômenos de massa do país.[2] Foi criado no estado brasileiro da Bahia,[3] com origem em Salvador, no ano de 1950 com os músicos Dodô (Antônio Adolfo Nascimento) e Osmar Macedo. Ao longo das décadas, evoluiu ao ponto de se tornar um dos grandes atrativos do Carnaval da Bahia e de outras festas do país. HistóricoNo começo de 1950 o Clube Carnavalesco Misto Vassourinhas do Recife partira para uma apresentação no Rio de Janeiro e, como a embarcação em que viajavam faria uma escala na capital baiana, a Prefeitura convidou-os para realizarem uma apresentação enquanto esta durasse. Assim, no dia 31 de janeiro daquele ano realizam um desfile pelas ruas de Salvador, como registrou Leonardo Dantas Silva: "rico estandarte alçado ao vento, morcego abrindo a multidão, balizas puxando dois cordões (...) tudo ao som de uma fanfarra de 65 músicos que, com seus metais em brasa, viriam naquele momento revolucionar a própria história da música popular brasileira."[4][nota 1] Logo a multidão empolgada acompanhava o cortejo, ao qual vieram os próprios músicos se misturar, em grande folia. Rumava o desfile para seu ponto alto na Rua Chile, então a principal artéria da cidade. Mas um incidente no qual um dos músicos pernambucanos se feriu fez com que o grupo interrompesse a apresentação, frustrando os que lá aguardavam sua passagem.[4] Vendo a animação com que o público reagira ao frevo e para suprir a frustração provocada pela interrupção do desfile, Antonio Adolfo Nascimento - apelidado de Dodô - e seu amigo Osmar Álvares Macedo, adaptam um Ford 1929,[5] ligando à bateria do automóvel um violão e um protótipo de guitarra[nota 2], criando assim a "Fobica"[nota 3], que mais tarde seria reconhecida como o primeiro trio elétrico do mundo. A dupla elétrica Dodô e Osmar saiu pelas ruas executando o ritmo recifense, com enorme sucesso.[4] No ano seguinte trocaram de carro por uma pick-up Chrysler Fargo e adicionaram um triolim (guitarra tenor) tocado pelo amigo Temístocles Aragão formando, assim, o "trio elétrico"; em 1952 mais inovações foram introduzidas formando um total de oito alto-falantes, geradores adicionais, e receberam o apoio da fábrica baiana de refrigerantes Fratelli Vita; em 1953 a invenção foi copiada por outros grupos ("5 Irmãos", "Ipiranga" e "Conjunto Atlas") e o conceito do "Trio Elétrico" se consagrou.[7] Em 1959 apresentam-se em Recife, então com patrocínio da Coca-Cola, fechando o ciclo das influências carnavalescas.[4] Os trios vão ampliando em tamanho, na década de 1960, pelo uso de caminhões cada vez maiores, época em que Dodô e Osmar deixam de se apresentar.[7] Ligados a blocos identificados por camisões coloridos - as mortalhas - os grupos passam a se isolar dos demais foliões por meio de cordas de separação. Destaca-se, desde então, o Trio Elétrico Tapajós, que é contratado pela prefeitura recifense para se apresentar naquela cidade. Em 1969 a canção Atrás do Trio Elétrico, de Caetano Veloso, divulga em todo o Brasil o fenômeno até então restrito aos dois estados nordestinos.[4] Na década seguinte tem início a profissionalização, sendo o Trio Tapajós transformado numa empresa, em 1976. No ano 1978 Moraes Moreira leva o cantor para o trio, com a canção Assim Pintou Moçambique.[4] Tem início uma nova fase do Carnaval Baiano, e do próprio trio, renovado com a presença vocal, na figura de Moraes, que apresenta sucessos cantados pela primeira vez no "palco móvel" dos trios, como "Varre, Varre Vassourinha" - homenagem ao Clube recifense que deu início a tudo - pois até então os trios eram exclusivamente instrumentais, como relembra o compositor Manno Góes.[8] Moraes ligara-se ao guitarrista Armandinho, filho de Osmar Macedo, e experimentaram a inovação de trazer um cantor sobre o trio. O artista relata ainda que a ideia surgira anteriormente, em conversa com Gilberto Gil, onde esse observava que seria necessário "botar uma força no trio", pois já não aguentava mais escutar as mesmas coisas sendo tocadas.[9] Até o ano de 1992, os Trios Elétricos eram montados sobre caminhões trucks, quando Arsênio Oliveira do Trio Elétrico TOP 69, teve a ideia de montar sobre uma prancha de reboque o trio elétrico para ser puxado por um cavalo mecânico, criando assim o primeiro Trio Elétrico carreta do país. Na época muitos comentaram que não daria certo a ideia. Ano seguinte, os grandes Trios Elétricos Independentes começaram a tirar suas carrocerias dos caminhões trucks e coloca-las sobre a prancha de reboque. Terminologia do trioAlgumas palavras passaram a ter significados específicos, quando ligados ao trio elétrico: foram trieletrizadas.[10] Alguns neologismos do trio:
EconomiaO advento do trio elétrico marca a história do carnaval baiano, a partir de sua criação, dividido-a em 3 fases distintas: o surgimento e crescimento, a partir dos anos 1950; a participação dos blocos-afro e, finalmente, a criação dos blocos de trio.[13] O trio permitiu a criação de uma nova indústria fora do eixo Rio-São Paulo: até então para algum artista vir a se projetar no cenário cultural havia uma "diáspora" para o Sul, onde buscava de alguma forma o reconhecimento; com o trio, isto passou a ocorrer na própria Bahia, e a partir dela. Antes artistas e grupos como Dorival Caymmi, Caetano Veloso, Novos Baianos, João Gilberto ou Chiclete com Banana - este último tendo saído e retornado, inicialmente, sem obter resultado - migraram para os estados até então monopolizadores da indústria cultura do Brasil.[13] A junção do trio, do elemento afrodescendente renovador dos ritmos e da indústria autóctone, o carnaval baiano permitiu o surgimento de novos ritmos da chamada axé music (desde o fricote de Luiz Caldas; dos grupos de axé, como Banda Eva, Asa de Águia, Cheiro de Amor, Chiclete com Banana, Banda Beijo, Babado Novo e Ara Ketu, os de pagode baiano, como Terra Samba e É o Tchan!, os de samba-reggae, como Timbalada e Olodum, e cantores, como Margareth Menezes, Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Ricardo Chaves, Netinho, Gilmelândia, Claudia Leitte, Carla Visi, Carla Cristina e outros e grupos como Terra Samba e muitos outros.[13] Com o trio o carnaval passou a ser também item estratégico para a administração pública e para a economia local, alavancando negócios no turismo cultural, no surgimento e manutenção de novos artistas e organizações (blocos, afoxés, trios "independentes"), produtos (abadás, discos, shows, etc.) até no próprio trio elétrico em si (alugueis e fabricação de trios) - matriz de tudo - movimentando verdadeiras fortunas a cada ano.[13] Interação do públicoEmbora o crescimento do trio tenha permitido a criação de uma nova indústria de relativa importância na Bahia, sua essência permanece na relação entre o artista e o folião; a este respeito Betinho, músico filho de Osmar Macedo, declarou: "Quando a gente está tocando em cima do trio e vê aquele negão pulando lá embaixo... De repente, o negão pensa que você está tocando para ele dançar, mas não é. Ele é que está dançando para você tocar. É ele quem está lhe dando toda a informação de que você precisa para suingar. É uma troca muito feliz. Porque, de repente, você faz isso e depois vê a praça toda dançando igual ao negão. Quer dizer: ele mandou para você e você mandou para o povo."[2] Efeitos auditivos nocivos e restriçõesNos anos 1960 os amplificadores usados tinham uma potência de 100 watts. Nos anos 1970 atingiam 20 a 30 mil watts, possuindo dez anos mais tarde valores entre 100 a 500 mil watts, capazes de provocarem danos à audição em volume máximo, sobretudo dos músicos.[14] A pressão sonora sofrida pelos músicos do trio superam aos de músicos de rock e de orquestras, resultando tal exposição em sintomas como dor de cabeça, sensação de plenitude auditiva e tontura, além da presença de zumbidos com a perda da capacidade auditiva. Tais efeitos tornam necessárias medidas de proteção auricular por parte dos profissionais que tocam sobre os trios.[14] Foliões e ouvintes involuntários (tais como moradores residentes próximos ao trajeto dos trios) também estão sujeitos aos efeitos nocivos do alto volume sonoro a que estão expostos, merecendo cuidados.[15] Algumas cidades históricas têm proibido a passagem de trios elétricos em suas ruas, visando proteger os antigos e frágeis prédios das fortes vibrações sonoras causadas pela potência excessiva dos equipamentos, a exemplo da mineira Tiradentes e das goianas Pirenópolis e Goiás.[16] Citações musicaisJá num álbum de 1969 Caetano Veloso vaticinava: "Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu" (in: "Atrás do trio elétrico", do álbum Caetano Veloso). Na canção "Trio Elétrico" Caetano faz um jogo poético: "o trio eletro-sol rompeu no meio-di, no meio-dia"[17] "O trio elétrico, para quem é baiano, é uma coisa muito forte... Acho que nem dá para explicar. Eletricidade, música elétrica, para mim, vai ser sempre o trio elétrico." - Moraes Moreira[9] Em 2009 a cantora Gilmelândia lançou a faixa "Rua" em homenagem aos 60 anos do trio, onde canta "Vem atrás de mim / Venha atrás do trio / Do caminhão / Levanta mão / E tira o pé do chão". Em 2010 Carlinhos Brown também lançou uma canção para homenagear os 60 anos do trio, intitulada "Parente do Avião", em que o refrão repete: "Ele é sexy / Ele é sexy / Ele é sexy / Ele é sexagenário", e o define, mais adiante: "O trio é de ninguém / O trio é regional / O trio é federal / O trio é o Brasil / Internacional". A canção conta com a participação de importantes nomes da axé music como Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Armandinho, Claudia Leitte e Luiz Caldas[18] Notas
Referências
Bibliografia
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