Nha Fala
Nha Fala (2002) – A Minha Fala em crioulo – é um filme de longa-metragem de Flora Gomes, uma co-produção entre Portugal, a França e o Luxemburgo. O filme foi intitulado em Portugal A Minha Voz. Trata-se de uma comédia musical protagonizada por uma linda jovem mestiça que viola um interdito cultural. A transgressão é simbólica : em vez de a levar a um confronto com a morte, leva-a a um confronto com a vida. Em vez de causar a anunciada tragédia, torna-se acto redentor que a liberta. A tragédia, augúrio ditado pela negra condição africana, é contornada por um poder maior, que a tradição subestima, reprimida pelo colonialismo: a força da vida. Depois de Os Olhos Azuis de Yonta, Nha Fala («minha voz, minha vida, meu caminho») é a segunda parábola de um negro de alma branca que nega o destino que lhe foi traçado e se põe a ver a questão sem lamento, tal como uma vez o souberam fazer, em animada ópera, os animados heróis de um animado filme: Hair. Falado em francês e crioulo, Nha Fala estreia em Portugal a 25 de maio, em França a 16 de julho de 2003 e na Guiné-Bissau a 6 de março de 2004. Ficha sumária
SinopseVita é uma jovem de Bissau que decide estudar em Paris. Antes de partir, ela promete à sua mãe que nunca irá cantar, já que uma maldição familiar dita que todos os que cantarem serão perseguidos pela morte. Em Paris, Vita apaixona-se por Pierre, músico de profissão. Certo dia, Pierre pede a Vita que cante no seu estúdio. Ela, ignorando a promessa feita à mãe, satisfaz o desejo do namorado, que fica admirado com a sua voz e a lança numa carreira musical de sucesso. Vita consciencializa-se das consequências do seu acto. Por isso, volta a Bissau para organizar o seu próprio funeral. Flora Gomes recorre, assim, às vivências de Vita para criticar a sociedade e os valores. De início, é evidenciada a severidade da igreja, que, através da figura do padre, interrompe os momentos de festa e alegria. No seguimento da acção, há um jogo antitético entre a sociedade francesa rica, mas sombria, e a sociedade guineense pobre, mas alegre e viva. O carácter racista da sociedade francesa é criticado por Flora Gomes, que dá vida a um velho nacionalista que não gosta de pretos e que se vai apercebendo da irracionalidade do seu ponto de vista. A acção fecha-se no funeral de Vita. No fundo, a vida é um ciclo; a morte é o regresso ao princípio. Enquadramento históricoCasos há em que o fait divers resume a história. A 59.ª Mostra de Veneza incluí uma retrospectiva de Michelangelo Antonioni, com cópias restauradas dos seus filmes. Projecta-se o Blow-Up. Encrava-se o projector quando o protagonista, um fotógrafo, entra na câmara escura. A lâmpada queima a fita e acendem-se as luzes da sala. É como se os olhos vermelhos (de fadiga) de Antonioni tivessem incendiado o filme, tal como os do infatigável Manoel de Oliveira fazem em cor-de-rosa, fixando-se em realidades idênticas : o desértico universo das burguesias europeias. Nha Fala, projectado na mesma tela, ilumina-a com outras luzes, menos ardentes, menos pastel. Ilumina-a com a luz que irradia de outro tipo de mulheres (é a mulher, em qualquer dos casos, que seduz a objectiva). Eis a parábola, a figura de estilo preferida por quem prefere dar a ver as coisas por outras palavras e com outras cores : a parábola da mulata «que recupera a “sua voz”, bem poderá ser a de África». O filme começa com uma dedicatória a Amílcar Cabral, «Pai da independência da Guiné-Bissau e das ilhas de Cabo Verde, assassinado em 1973». É filmado em Cabo Verde porque o rescaldo de uma guerra fratricida e violenta não permite que seja feito na Guiné, terra em que «ninguém está no seu lugar, em que à noite um médico é taxista e um professor universitário engraxador». Filme apátrida com várias pátrias, admirado por uns, mais abertos, despeitado por outros, mais obtusos, no fundo pretende apenas dar a ver isto : «O futuro deste planeta é a mestiçagem. Ninguém a pode proibir». Não se faz filmes assim para se vender : a força da ideia não reside no seu valor de mercado. Filmes desses são feitos para se ver, Mas nem toda a gente quer estar de olhos abertos. Ficha artística
Ficha técnica
Fontesonline
impressas
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