Linha de Lamego
A Linha de Lamego foi um projecto cancelado para caminho de ferro em via estreita (1000 mm), com cerca de 20 Km de extensão, que ligaria a Estação de Régua, na Linha do Douro, à cidade de Lamego, em Portugal. Ao longo do seu planeamento, a linha entre a Régua e Lamego foi considerada como parte de duas outras vias férreas planeadas mas também nunca construídas: a Linha da Régua a Vila Franca das Naves[1] e a Linha da Régua a Viseu.[2] HistóriaAntecedentes e primeiros planosNa década de 1850, o engenheiro francês Wattier foi encarregado de estudar os traçados das futuras linhas do Leste e Norte, tendo sugerido vários percursos para a linha até ao Porto, incluindo um pelo centro do país, passando por Coimbra, Viseu e Lamego.[3] No entanto, reconheceu que este traçado ficaria muito caro devido ao relevo montanhoso, aconselhando em vez disso um percurso mais perto da costa, entre Coimbra e o Porto.[4] Na década de 1870, foi construído um caminho de ferro na região, mas seguindo pela margem direita do Rio Douro, tendo a linha atingido o Peso da Régua em 1879.[5] Em contraste, a margem esquerda do rio tinha graves problemas de comunicações com os grandes núcleos urbanos, o que estava a limitar o seu desenvolvimento económico, especialmente em termos industriais, apesar da fertilidade dos seus solos.[6] Com efeito, a estrada real da Régua a Vila Franca das Naves e Celorico da Beira por Moimenta da Beira e Trancoso apresentava um elevado tráfego, e na estação da Régua verificava-se um movimento de cerca de 100 mil Kg diários de mercadorias com origem e destino em Lamego e nos concelhos vizinhos.[6] Também se verificava um intenso tráfego de passageiros entre Lamego e a gare da Régua, com várias carreiras de diligências.[6] Este movimento fez da estação da Régua a mais movimentada e lucrativa de toda a Linha do Douro, salvo as que se situavam no interior da zona metropolitana do Porto.[6] Durante o mandato de António Cardoso Avelino como ministro das Obras Públicas, na Década de 1870, o empresário alemão Maximiliano Schreck foi autorizado a construir um caminho de ferro do tipo americano entre Vila Real, Régua, Lamego e Viseu.[7] Entre 1885 e 1886, o ministro das Obras Públicas, Emídio Navarro, iniciou um programa para o desenvolvimento da rede ferroviária secundária em Portugal, tendo ordenado a elaboração de ante-projectos para várias linhas, incluindo uma da Régua a Viseu por Lamego.[8] Foi apresentada uma proposta para a construção de várias dessas linhas, mas que não chegou a ser transformada em lei.[8] Planeamento e construçãoPrimeira faseEm 1898, o ministro Elvino de Brito ordenou a formação de duas comissões técnicas para elaborar os planos das redes ferroviárias complementares ao Norte do Mondego e ao Sul do Tejo,[8] tendo sido proposta uma via férrea da Régua a Vila Franca das Naves, na Linha da Beira Alta, unindo desta forma as duas linhas.[9] Em 16 de Janeiro de 1899, a Gazeta dos Caminhos de Ferro noticiou que já tinha sido aberto o inquérito administrativo para informar o público sobre as linhas férreas planeadas, incluindo a Linha da Regoa por Lamego a Villa Franca das Naves e um ramal de Lamego para Viseu.[10] Em 16 de Maio de 1899, a Gazeta relatou que tinha sido aprovada na Câmara dos Deputados uma proposta de lei do ministro Elvino de Brito sobre caminhos de ferro, tendo a câmara introduzido várias alterações, incluindo uma proposta do deputado Joaquim Veiga para colocar a linha de Lamego na lista das vias férreas a construir.[11] No entanto, em 16 de Novembro relatou que ainda não tinha sido encontrada uma companhia interessada em construir a linha, que parecia ter sido relegada para segundo plano, apesar da sua grande importância.[6] Com efeito, previa-se que a linha iria não só facilitar as comunicações entre a Beira Alta e o Douro e a cidade do Porto, o que tinha um grande interesse do ponto de vista económico e militar, mas também iria servir uma rica e fértil região que daria um bom tráfego de passageiros e mercadorias.[6] Ao mesmo tempo, também iria melhorar as ligações de Lamego e outras localidades do centro com o resto do país, principalmente com o importante Porto de Aveiro.[12] Ao nível municipal, a linha férrea iria dar um grande impulso à economia do concelho de Lamego, ao melhorar as comunicações com a Linha do Douro, esperando-se que fosse potenciar especialmente a indústria vinícola.[13] Uma solução para este problema seria formar uma associação entre os empresários e as autoridades locais para financiar a construção da linha, conceito que já tinha sido utilizado com sucesso noutros locais, especialmente em Espanha.[6] O Plano da Rede Complementar ao Norte do Mondego foi decretado em 15 de Fevereiro de 1900, tendo sido incluída a linha de Régua a Vila Franca das Naves, em via estreita.[8] No entanto, o ponto de bifurcação do ramal para Viseu foi mudado de Lamego para Tarouca, alteração que foi considerada como sem sentido, devido à menor importância daquela vila.[14] Uma vez que a linha foi classificada como parte da rede complementar dos Caminhos de Ferro do Estado,[15] podia dessa forma ser financiada pelo Fundo Especial de Caminhos de Ferro.[16] Na sessão de 20 de Abril de 1903 da Câmara Electiva, Filipe de Moura e Magalhães Ramalho falaram sobre os concursos para as duas linhas com origem no Peso da Régua, uma para Chaves e a outra para Vila Franca das Naves.[17] Em 1 Outubro de 1905, a Gazeta dos Caminhos de Ferro noticiou que estavam a ser feitos os estudos para a construção do caminho de ferro de Régua e Lamego, que seria o primeiro lanço da futura Linha da Régua a Vila Franca das Naves.[1] Nesta altura, já se reconhecia que o traçado escolhido seria bastante complexo, devido à forma como saía da Régua, a passagem pelos Rios Douro e Varosa, e a diferença de nível a vencer até chegar a Lamego.[1] Apesar do traçado difícil a enfrentar, continuou a intenção de se construir a linha, devido à sua grande importância.[1] Segunda faseEm 16 de Março de 1907, a Gazeta relatou que o projecto para a linha de Lamego iria ser em breve apresentado ao estado para aprovação.[18] Em 16 de Maio de 1909, a Gazeta noticiou que se estava a estudar a zona onde deveria ser construída a estação de Lamego, tendo-se escolhido o lugar das Lages.[19] Em 1 de Dezembro de 1917, a Gazeta informou que as obras da linha iriam começar em breve.[20] Entretanto, em 31 de Maio de 1914 fez-se uma grande manifestação em Viseu para exigir a construção dos caminhos de ferro planeados, incluindo a linha da Régua a Vila Franca das Naves.[21] Em 1919, José Júlio César apresentou uma proposta de lei no Senado municipal para a construção da Linha de Viseu a Foz Tua, que ligaria as linhas do Tua e do Dão, e que na Vila da Ponte teria um entroncamento com a linha da Régua a Vila Franca das Naves.[12] Em 16 de Outubro de 1925, a Gazeta noticiou que já se estava a trabalhar na construção da ponte sobre o Rio Douro.[22] Em 1927 foi formada uma comissão técnica para estudar a criação de um novo plano ferroviário a nível nacional, tendo a comissão uma série de linhas férreas para ligar as várias redes de via métrica que estavam isoladas.[9] Uma das linhas propostas uniria a Régua a São Pedro do Sul, na Linha do Vouga, passando por Castro Daire e Lamego, onde bifurcaria com outra via férrea até Tua, na Linha do Tua, por Moimenta da Beira.[9] Por seu turno, as autoridades militares defenderam a construção de uma linha de via larga da Régua a Gouveia por Lamego, Viseu e Mangualde.[9] Esta ideia foi criticada, devido à falta de espaço na estação da Régua, que já servia também de entroncamento com a Linha do Corgo, e das duras condições do terreno até Lamego, que a linha de via estreita estava a ter dificuldades em vencer, e que seriam muito piores com uma linha de bitola larga.[9] A melhor forma de fazer uma linha de via larga desde a Linha do Douro até Lamego seria provavelmente partir de Mosteirô, atravessar o Rio Douro, e depois ir subindo ao longo da margem esquerda até Lamego.[9] O Plano Geral da Rede Ferroviária foi decretado em 1 de Abril de 1930, tendo sido classificada a Linha de Lamego, de via estreita, que deveria unir a Régua à cidade de Pinhel por Lamego e Vila Franca das Naves, num percurso de 135 km.[23] Também foi definida mas não oficialmente classificada a Transversal de Castro Daire, que deveria começar em Lamego e terminar na Linha do Vouga.[24] No entanto, durante alguns anos as obras estiveram paralisadas, tendo sido retomadas por ordem do ministro do Comércio, João Antunes Guimarães.[25] Por esse motivo, em finais de 1931 uma comissão de representantes de Lamego foi a Lisboa expressar o seu agradecimento ao ministro, e para pedir a abertura do concurso para a construção das estações de Lamego, Sande e Portelo.[25] Apesar deste reinício, os trabalhos estavam a progredir a um ritmo muito lento.[15] As obras empregaram um grande número de trabalhadores, aliviando o acentuado desemprego na região.[26] A construção estava a ser feita pela Companhia Nacional de Caminhos de Ferro, e dirigida pelo engenheiro Muginstein.[27] Em 12 de Julho desse ano, iniciou-se a construção da Ponte do Varosa.[26] Em 1 de Janeiro de 1932, a Gazeta dos Caminhos de Ferro relatou que as obras já estavam muito avançadas no lanço entre a Régua e Lamego, e que já se estava a planear a continuação da linha até Vila da Ponte.[28] Porém, no princípio desse ano, o Fundo Especial de Caminhos de Ferro começou a ter problemas de ordem financeira, devido principalmente aos efeitos da Grande Depressão, e para não ficar totalmente descapitalizado, foi necessário reduzir os pagamentos aos empreiteiros e suspender várias obras em curso, incluindo as da ponte sobre o Rio Douro, na Linha de Lamego.[16] Apesar destes problemas, continuou a intenção de concluir a linha, e de a prolongar até à Vila da Ponte.[26] Entre 1931 e 1932 foram feitos vários trabalhos de campo, para estudar a continuação da linha até Mondim da Beira, passando por Granja Nova (Tarouca).[29] As obras foram retomadas ainda em 1932, e estavam a avançar a um bom ritmo,[30] tendo a Ponte do Varosa sido inaugurada em 20 de Outubro, numa cerimónia que teve a presença do Ministro das Obras Públicas e Comunicações, Duarte Pacheco.[26] A construção da ponte foi considerada uma das maiores obras de engenharia da época, tendo sido orçada em 1.866 contos, e planeada pelos engenheiros Avelar Ruas e Soares David.[26] Durante a cerimónia, foi pedido o apoio do ministro, de forma a que a linha pudesse ser inaugurada até Lamego em 1934.[26] Em 1933, foi concluída a ponte sobre o Rio Douro.[31] Em 1 de Abril desse ano, a Gazeta dos Caminhos de Ferro relatou que a Comissão Administrativa do Fundo Especial de Caminhos de Ferro aprovou a realização de várias obras na linha.[32] Em 1 de Julho de 1934, a Gazeta noticiou que a comissão administrativa tinha autorizado a aquisição de tirefonds para as linhas de Lamego e do Sabor.[33] Nesse ano, continuaram as obras na linha,[34] tendo o Ministério das Obras Públicas e Comunicações aprovado o auto de recepção definitiva da empreitada n.º 10 do lanço entre a Régua e Lamego da Linha da Régua a Vila Franca das Naves em 21 de Agosto desse ano.[35] Nesse ano, também foi concluída definitivamente a construção da ponte sobre o Rio Douro, com a instalação dos gradeamentos, e de uma passarela em betão armado na trincheira da margem esquerda.[36] Em 24 de Junho de 1936, foi aprovado o auto de recepção definitiva para a empreitada n.º 7.[37] Um dos principais motivos pelos quais as obras se arrastaram na Linha de Lamego foi a falta de um organismo central para o planeamento dos caminhos de ferro, o que provocou um acréscimo no processo burocrático, atrasos na elaboração dos estudos, e a falta de pessoal competente.[38] Em 1937, a linha continuava em obras, e ainda estava planeada a sua continuação até à Vila da Ponte, num percurso total de 84 Km.[39] O relatório de 1938 da gerência do Fundo Especial de Caminhos de Ferro refere que foram gastos 20.707$04 nas obras da linha de Viseu à Régua por Lamego, estimando-se que a construção total da linha importaria em cerca de 45.000 contos.[2] Fim do projectoNo final da década de 1930, foram canceladas as obras na Linha de Lamego, devido ao início da Segunda Guerra Mundial, e também ao impasse colocado por um proprietário agrícola local que se opunha à passagem da linha.[40] Nesta altura, o leito da via estava preparado, faltando apenas colocar os carris.[40] Apesar disto, no relatório da gerência do Fundo Especial de Caminhos de Ferro para 1948 ainda foram referidas várias obras na linha de Lamego.[41] Nesse ano, o capitão Jaime Jacinto Galo defendeu a conclusão da linha até Lamego e o seu prolongamento até Viseu, devido à sua importância como ligação entre as redes de via estreita.[42] Outro elemento que contribuiu para o abandono da linha de Lamego foi o progresso dos transportes rodoviários, que se fez sentir especialmente a partir da segunda metade da década de 1930.[43] Com efeito, num relatório ao governo em 3 de Julho de 1937, o governador civil de Viseu deu uma maior prioridade ao investimento nas estradas do que à conclusão dos caminhos de ferro até à Régua e Foz Tua.[43] Em meados do século XX já existia uma extensa rede de serviços rodoviários servindo a região na margem esquerda do Douro, incluindo carreiras de autocarros entre Lamego e a Régua, que substituíram as antigas diligências.[44] VestígiosO antigo leito da via férrea pode ser perfeitamente seguido, mantendo-se quase intacto em todo o seu traçado.[40] Tanto a ponte da Régua, transformada para uso rodoviário e que se mantém em serviço,[45] como a ponte sobre o rio Varosa, são duas obras-de-arte, construídas para a Linha de Lamego, que continuam a existir. CaracterizaçãoItinerárioCom cerca de 20 Km de extensão,[30] a Linha de Lamego sairia da Estação de Peso da Régua e atravessava a Ponte Ferroviária da Régua, sobre o rio Douro, construída propositadamente para esta linha em 1927 e adaptada para rodovia em 1947.[46] Depois, cruzava-se com a estrada de Armamar e seguia pela margem direita do rio Varosa até à Central Hidroeléctrica. Teria uma paragem em Quintião e depois a via passaria para a outra margem do rio Varosa através de uma ponte de pedra. Já na margem esquerda do rio Varosa teria as seguintes paragens: Cambres, Portelo, Souto Covo e Sande.[46] Passando por trás da Quinta dos Brolhas, a linha atingia o seu término em Lamego,[46] cuja estação se situaria no que é hoje o edifício do Palácio da Justiça daquela cidade.[40] Obras de arte
Ver também
Referências
Bibliografia
Ligações externas
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