Nos períodos de estado de sítio de 1922 a 1927, a repressão às revoltas tenentistas e outros dissidentes resultou em novas denúncias de tortura, inclusive contra alguns indivíduos de posição social relativamente alta, como no caso do comerciante Conrado Niemeyer. Associados a este caso, o fabricante de fogos de artifício Narciso Ramalheda teria sido espancado na 4.ª Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro para confessar que fabricava dinamite para os militares conspiradores. O caso de Conrado Niemeyer, que morreu em custódia policial, foi mais tarde investigado, o que Everardo Dias atribuiu à sua posição social, pois numerosos deserdados e operários receberam tratamento equivalente. Autor de Bastilhas Modernas: 1924-1926, ele descreveu torturas como "pontapés, bofetadas, palmatória, o cano de borracha, as espetadas com faca, as queimaduras, as salas molhadas, dias a fio, e as pancadas contínuas sobre o coração". [6][7] O historiador Hélio Silva caracterizou "o cano de borracha, a água fria, o isolamento, subnutrição e os maus tratos, de toda a hora" como a "página negra da reação legalista" contra a Revolta Paulista de 1924.[8]
Mas havia também torturadores civis, que atuavam sob ordens dos militares. Um dos torturadores mais famosos e cruéis foi Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) de São Paulo, que se utilizava de métodos brutais - e, por vezes, letais - para conseguir as confissões de seus suspeitos, à revelia de seus chefes.[11] Segundo o relatório "Brasil: Nunca Mais",[12] pelo menos 1 918 prisioneiros políticos atestaram ter sido torturados entre 1964 e 1979 (15 de março de 1979 era a data-limite do período a ser investigado).[13] O documento descreve 283 diferentes formas de tortura utilizadas na época pelos órgãos de segurança.[4]
Com a redemocratização, em 1985, cessou a prática da tortura com fins políticos. Mas as técnicas foram incorporadas por muitos policiais, que passaram a aplicá-las contra os presos comuns, suspeitos ou detentos, principalmente quando negros e pobres, ou, nas áreas rurais, indígenas. Entre as principais técnicas de tortura aplicadas no período, podem ser citadasː o afogamento, a cadeira do dragão (espécie de cadeira elétrica), espancamentos, soro da verdade (drogainjetável que deixa a vítima em estado de sonolência), a geladeira (pequena caixa em que a vítima era confinada e sofria com oscilações extremas de temperatura e barulhos perturbadores) e pau de arara.[4][15][16]
Treinamento em técnicas de tortura
As técnicas de tortura utilizadas no Brasil, ao contrário da ideia de que seriam improvisos dos que aplicam a tortura, têm, na verdade, estreita conexão com técnicas desenvolvidas através de experimentos como os do Projeto MKULTRA. Técnicas trazidas para o Brasil e América Latina, através de treinamento e treinadores americanos, estão contidas nos Manuais KUBARK[17] utilizados para treinamento de militares e agentes de segurança brasileiros na Escola das Américas além de em outros programas de intercâmbio.[18][19]
A recente liberação pelo governo americano de uma lista parcial de nomes de participantes nos treinamentos da Escola das Américas revelou também o fato de que militares brasileiros treinaram e participaram de tortura, inclusive no Chile.[27] A organização Observador da Escola das Américas, desde 1983, pesquisa informações sobre países que enviam pessoal para treinamento na Escola das Américas e publica nomes de treinandos, fazendo campanha pelo fechamento da chamada "Escola de Assassinos", atualmente intitulada "Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança" (Western Hemisphere Institute for Security Cooperation, em inglês).[28][29]
Nova República
Após a ditadura militar brasileira, ainda é comum serem relatados casos de tortura no Brasil. Foram registradas na Secretaria Nacional de Direitos Humanos 466 denúncias de tortura contra a população carcerária em 2013.[30] Para a sua tese de mestrado, a socióloga do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP), Maria Gorete Marques acompanhou 181 agentes do Estado que estavam sendo processados por tortura e concluiu que 70% deles não foram punidos.[30]
Segundo a socióloga, "Os policiais desconstroem a acusação, dizem que a vítima já veio com as lesões, transferindo a autoria para terceiros." A média de denúncias recebidas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2013 era de 36 denúncias por mês sobre tortura e maus-tratos contra presos. No Ministério da Justiça, era 130.[30]
Segundo o juiz Luciano Losekann, do Monitoramento do Sistema Carcerário, "Ocorre, em geral, em ambientes fechados, longe dos olhos de testemunhas ou com a temerosa cumplicidade de agentes públicos." Wilde Tayler, vice-diretor do Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, disse que "Parece que há sempre uma desculpa para os hematomas – tem muita gente caindo da escada. (…) Algumas coisas que vi no Brasil eu não esperava ver nos países mais severamente subdesenvolvidos." Juliano Breda, presidente da OAB-PR disse que o Ministério Público e o Poder Judiciário são responsáveis pelos casos de tortura no Brasil, por não se aprofundarem nas investigações.[30]
Segundo levantamento feito em 2010 pela professora Nancy Cardia, do Núcleo de Estudo da Violência da USP, 52,5% da população concordava que um tribunal poderia aceitar provas obtidas através de tortura. Em 1999, 71,2% da população tinha o mesmo raciocínio.[30]
"A tortura no (Sic)País é cultural, generalizada e sistemática. Começou no período da escravidão e se mantém até hoje (…) A vocação brasileira para a tortura se solidificou porque os torturadores não são punidos."[31]
Segundo José de Jesus Filho, assessor jurídico da Pastoral Carcerária Nacional, "Quem investiga é a própria polícia ou funcionários dos presídios. Muitas vezes, é o torturador quem leva a vítima para o exame de corpo de delito, e os médicos que fazem os laudos se omitem."[31] O deputado Marcelo Freixo (PSOL) criou através de lei o Comitê de Prevenção à Tortura no Estado. O intuito é monitorar presídios, delegacias, manicômios e unidades socieducativas.[31]
"Constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental; Submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo".
São causas de aumento da pena as consequências em relação ao cargo, função ou emprego público. O crime é inafiançável e não passível de graça ou anistia, devendo, a pena, ser cumprida em regime fechado, salvo a hipótese do artigo 1º § 2º, que impõe uma pena inferior àquele que se omite em face da tortura de terceiro.
↑"Os poucos suspeitos ricos, se privados de liberdade em absoluto ou até condenados, podem comprar tratamento e condições de detenção toleráveis ou, no mínimo, menos intoleráveis do que muitos que são pobres e geralmente negros ou mulatos ou, nas áreas rurais, indígenas." Relatório sobre a Tortura no Brasil produzido pelo Relator Especial sobre a Tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Genebra, 11 de abril de 2001.
↑ Documentos Oficiais - Manuais KUBARK da CIA de Técnicas Coercitivas (Tortura Física e Psicológica) e Não Coercitivas (Tortura Psicológica) de Interrogatórios nos arquivos de Domínio público da Universidade George WashingtonUniv. George Washington.em Inglês e Espanhol.
↑ Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica-anteriormente chamado "Escola das Américas", patrocinada pelo governo americano e chamada de "Escola de Assassinos" [1]
↑Brasileiros treinados pela Escola das Américas atualmente chamada Instituto de Cooperação para a Segurança Hemisférica Agência Brasil de Fato. consultado em 24 de Agosto de 2009.
↑[2]Arquivado em 4 de março de 2016, no Wayback Machine.] Revelan identidades de torturadores brasileños - Revista Punto Final - Edición 665
↑[3] Veja aqui os documentos já revelados sobre Dan Mitrione (em inglês)
↑Dan Mitrione, un maestro de la tortura Jornal Clarín, 2 de Setembro de 2001 - Dan Mitrione, un maestro de la tortura. em espanhol, [visitado em 29 de Agosto de 2009